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A “doce” cartilha do aborto: palavras suaves para amenizar a triste realidade

(Foto: Bigstock)

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Açúcares e adoçantes escondem o amargo dos alimentos e os tornam doces ao paladar. Diariamente, seja no cafezinho ou em um suco, usamos este estratagema para nosso organismo digerir algo que, sem isso, seria certamente rejeitado. Com as ideias, não é diferente. A depender das palavras utilizadas, ganha-se ou perde-se a empatia do público-alvo, razão pela qual devemos ser prudentes com nossas fontes de informação. Aquelas que, por exemplo, utilizam-se de expressões suaves e palatáveis ao se referir a assuntos críticos e polêmicos tal como é a questão do aborto, devem ser vistas com maior atenção.

Algumas instituições do Estado de Santa Catarina lançaram uma cartilha denominada Cartilha de atenção humanizada à interrupção legal da gravidez em Santa Catarina. Já no nome, o documento induz pensarmos que abortar alguém é uma atitude “humanizada”, algo que foge ao bom senso. Uma coisa é falar em atendimento humanizado à vítima da violência, outra – bem diferente – é dar “atenção humanizada” à morte de um ser humano.

A depender das palavras utilizadas, ganha-se ou perde-se a empatia do público-alvo, razão pela qual devemos ser prudentes com nossas fontes de informação.

Começando pelo fim, as referências bibliográficas da cartilha nos dão o viés que irá nortear todo o seu conteúdo. Dentre documentos oficiais do estado de SC e do Ministério da Saúde, constam inúmeros artigos de instituições e autores que publicamente defendem o abortamento. Nenhum estudo de cientistas, médicos, juristas, filósofos ou quaisquer outros que defendam as duas vidas ou mesmo relatos das complicações psicológicas ou físicas advindas do abortamento são referenciadas, ou seja, para a confecção da cartilha, não houve contraposição de idéias, debate.

Talvez isso explique, por exemplo, a absoluta ausência de qualquer referência ao Instituto da Entrega Legal, a chamada “entrega voluntária”, prevista no ECA, que consiste na possibilidade de uma gestante ou mãe de entregar seu filho ou recém-nascido para adoção em um procedimento assistido pela Justiça da Infância e da Juventude. Outra questão que passa despercebida é a informação básica de que o aborto nas hipóteses previstas na lei é uma OPÇÃO da mulher vítima de violência sexual. O abortamento não é consequência obrigatória e a equipe multidisciplinar que irá atendê-la deve primar pelo cuidado de expor à gestante todas as possibilidades, riscos e consequências de sua decisão. Trata-se de um momento muito delicado, onde a mulher se encontra em um estado de intensa fragilidade e a sensibilidade de cada agente público nesse processo é o que mais importa.

Apresentar fluxogramas e encaminhar a vítima de violência sexual o quanto antes ao serviço de abortamento, definitivamente, não é a solução. Aliás, a lei nos obriga o movimento contrário, pois o artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente impõe a todos que efetivemos “políticas sociais públicas que permitam o nascimento” de nossas crianças.

Voltando ao texto da cartilha, dentre outros inúmeros pontos questionáveis, merece ressalva o assassinato de bebês periviáveis, que são aqueles que têm mais de 20/22 semanas. Sobre isso, muito embora todas as normas técnicas do Ministério da Saúde e da OMS proíbam a realização de aborto em fetos com essa idade gestacional, a cartilha simplesmente ignora esta orientação e afirma que a “idade gestacional não determina a não realização do procedimento”. Para completar, seguindo a técnica de amenizar suas expressões, assevera que nestes casos de ILG (singela sigla que quer dizer “aborto”) deve ser realizada a “indução de assistolia fetal”, deixando de esclarecer que este procedimento de inserção de Cloreto de Potássio no coração do feto queima ele por dentro e é tão doloroso que o Guia Brasileiro de Boas Práticas para Eutanásia de Animais obriga a anestesia geral do animal, algo que não se faz com nossos filhos abortados. A cartilha ignora a simples constatação óbvia de que a interrupção de uma gravidez não se dá apenas com o aborto, pois a antecipação do parto também é uma forma de cessar a gestação. Fetos que podem sobreviver fora do útero (acima de 20/22 semanas) não podem ser abortados. Isso é assassinato.

Por fim, dentre outros detalhes e interpretações errôneas sobre a obrigatoriedade de comunicação do crime de estupro às autoridades e sobre o instituto do sigilo médico, o ápice do eufemismo se dá com a referência ao resultado almejado pela “ILG”: o corpo do bebê abortado, para a cartilha, é apenas um “resíduo de serviço de saúde” e seu destino, o lixo hospitalar.

Danilo de Almeida Martins é jurista.

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