A taxa básica de juros, a Selic, chegou ao nível mais baixo da história: 8,75% ao ano. Assim, quem emprestar dinheiro ao governo, comprando títulos públicos diretamente ou por meio de fundos de renda fixa, poderá amargar a mísera rentabilidade real de 3% ao ano, ou menos. Ou seja, a tributação sobre os rendimentos, a taxa de administração do fundo e a inflação podem comer 5,75%, ou até mais. Essa realidade le­­vou o governo a temer pela possibilida­­de de migração em massa de bilhões de reais aplicados em fundos de renda fixa para a caderneta de poupança, na qual a taxa de ju­­ros é, por lei, de 6% ao ano mais a Taxa Refe­­ren­­cial (TR). Além disso, a caderneta não tem taxa de administração e não cobra Imposto de Renda dos poupadores.

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Se a migração para as cadernetas de poupança ocorresse, duas consequências apareceriam: o governo perderia muitos bilhões que a sociedade lhe empresta comprando seus títulos e os bancos teriam dificuldade em aplicar 65% dos recursos da poupança em financiamento imobiliário. Esse porcentual de 65% é o que a legislação destina, obrigatoriamente, para o financiamento do mercado imobiliário residencial e comercial. Foi esse quadro que levou o governo a tomar a decisão de cobrar imposto de 22,5% sobre os rendimentos das cadernetas de poupança com saldo acima de R$ 50 mil. A polêmica está estabelecida. A saída não é boa, por várias razões, das quais destaco as seguintes:

1) A solução dada pelo governo não diminui o custo de captação de poupança pelos bancos, já que a redução de rendimento do poupador será entregue ao governo em forma de Imposto de Renda. O aplicador ganhará me­­nos, mas essa diminuição do seu rendimento não levará a uma redução da taxa de juros para quem toma financiamento imobiliário. Portanto, o mercado imobiliário não será be­­neficiado com a queda da taxa Selic nem com o menor ganho dos poupadores. Aqueles que criticam as taxas de juros, dizendo que são altas, deveriam levantar suas vozes para denunciar que a diminuição dos ganhos dos poupadores não vai beneficiar os devedores da casa própria. É o governo, com os dentes afiados do leão, quem vai comer uma expressiva fatia desse bolo.

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2) Se existe um problema na remuneração das cadernetas de poupança, ele reside no fato de o Brasil ter estabelecido a remuneração de 6% ao ano, por meio de lei. A fixação legal desse rendimento fazia sentido na época da inflação e dos juros altos. Num tempo sem inflação e com juros em queda, a regra de juros fixos por lei é um anacronismo e tentar mantê-la é um erro, que não será corrigido por um segundo erro, que é a tributação da poupança.

3) Se a poupança tinha um mérito, ele es­­tava em que suas regras sempre foram as mesmas, era simples, confiável e compreendida por todos os brasileiros. A tributação que está sendo implantada violenta a "personalidade" da caderneta de poupança, ainda que o go­­verno afirme que apenas 1% dos poupadores tem aplicações acima de R$ 50 mil e que apenas estes serão atingidos pela tributação. Não importa. O fato é que a estabilidade das regras da poupança foi quebrada.

A se aceitar a tese de que era necessário haver intervenção nessa situação toda, para impedir que a inflação baixa e a taxa de juros em queda levassem a caderneta de poupança a engolir parte dos bilhões aplicados em fundos de investimento em renda fixa, seria melhor estabelecer que a taxa de juros da poupança fosse sempre metade da taxa Selic, limitada ao máximo de 6%, quando a Selic subisse além de 12% ao ano. Essa solução teria dois grandes méritos: um seria acabar com taxa de juros fixa de 6% ao ano, baixada por lei, para permitir sua queda quando o cenário de inflação baixa e Selic em queda assim o recomendassem; outro seria o barateamento do custo de captação dos bancos via caderneta e a consequente redução do custo dos financiamentos imobiliários.

Portanto, mesmo acatando a tese de que algo teria que ser feito, a solução via tributação não é boa, pois, além dos defeitos citados, essa medida é mais uma facada no bolso da população. A fúria tributária do governo brasileiro é algo que não tem fim e parece que os governantes não conseguem entender que alta carga tributária inibe o crescimento econômico.

José Pio Martins é economista e vice-reitor da Universidade Positivo

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