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No dia 21 de abril passado comemoramos o dia de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Nos primeiros anos de escola aprendemos que ele foi morto na forca porque lutava pela independência do Brasil em relação a Portugal. Mas confesso que, naquela época, eu não entendia bem as razões objetivas da luta desse herói brasileiro.

Tiradentes liderou a "inconfidência mineira", um movimento cuja causa imediata era a exploração que Portugal impingia ao Brasil em forma de impostos. Ficou conhecida a expressão "derrama", utilizada em referência ao ouro que era enviado a Portugal para pagar os impostos cobrados pela metrópole. Outra expressão, que também ficaria imortalizada, é o "quinto", utilizada em referência ao percentual de 20% que a Coroa portuguesa exigia como tributação. Portugal era considerado o "inferno" dos produtores brasileiros, daí a expressão "o quinto dos infernos".

O Brasil acabou se libertando de Portugal, mas a história dos tributos tornou o "inferno" um pouco pior. Em face da violência social eclodida em São Paulo no mês de maio, que culminou com depredações e dezenas de mortes entre bandidos e polícia, o atual governador daquele estado, Cláudio Lembo, disse que a culpa é da burguesia branca e perversa. Ele acrescentou que as pessoas que têm renda deveriam abrir mão de um pedaço do que possuem para retirar os pobres e os miseráveis da sua condição de penúria social.

Fiquei estupefato com tal declaração, porquanto o dr. Cláudio Lembo é um jurista culto e renomado, e deve conhecer um mínimo de economia e sociologia. Seria interessante lembrar ao ilustre governador que a sociedade é composta de segmentos. Há, pelo menos, três segmentos claramente identificados para fins de estudos econômicos: as pessoas, as empresas e o governo. Quando se faz uma análise sociológica focando os problemas de distribuição de renda, de fome e de miséria, não se pode excluir dos estudos qualquer dos segmentos, já que cada um deles desempenha um papel decisivo na estrutura social do país. O governador Lembo esqueceu-se de falar da burguesia chapa-branca e perversa, ou seja, o Estado, e sua imensa parcela de responsabilidade na tragédia social do Brasil.

Se Tiradentes foi morto porque se rebelara contra um "quinto dos infernos", aquele imposto de 20%, a burguesia chapa-branca e perversa, da qual o governador de São Paulo sempre fez parte, atualmente dá para a sociedade brasileira "dois quintos dos infernos"; isto é, os tributos já chegam perto de 40% da renda nacional, o dobro da "derrama" que levou Tiradentes à forca. Portanto, se existe um segmento social responsável e culpado direto pela tragédia de São Paulo é a burguesia governamental chapa-branca, perversa, ineficiente e corrupta. Se não fosse assim, a fatia que o setor público toma da sociedade em tributos seria suficiente para amparar os miseráveis com um mínimo em alimentação, habitação, saúde e educação. No entanto, para que o governo pudesse cumprir seu papel, três coisas deveriam ocorrer: 1) o Estado teria que se retirar de onde ele nem devia estar, sobretudo em atividades empresariais; 2) o gasto público deveria ser orientado para as funções clássicas de governo; 3) a máquina estatal deveria ser mais eficiente e menos corrupta.

Dou uma sugestão ao governador de São Paulo: promova um grande seminário sobre o setor público com duas pautas: 1) assumir a culpa pelas tragédias sociais e identificar onde o governo falha; 2) desenhar um novo modelo de Estado, menos empresarial, mais eficiente, menos corrupto e mais social.

Aqueles que não percebem o tamanho da culpa de um Estado que retira quase 40% da renda nacional servem apenas a dois senhores: a ignorância e a má-fé.

Li, não sei onde, um provérbio jocoso dizendo que "errar é humano; culpar os outros pelo erro, isso é política". Parece que, no Brasil, não se trata de um mero provérbio, mas de uma triste constatação.

José Pio Martins é professor de Economia e vice-reitor do Centro Universitário Positivo – UnicenP.

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