A música me seduz. Quando não censurada, pode extrapolar limites, revelar o belo, expor o feio e ser meio de libertação social. Músicos, portanto, devem ter a individualidade preservada não apenas porque ela é direito fundamental, mas também porque promovem o desenvolvimento social. Não espero e concebo, portanto, amarras coletivistas ou um padrão a ser imposto a tais profissionais. A legislação brasileira, entretanto, é mais criativa que a minha imaginação.
Em decorrência da Lei 3.857/1960, a atividade dos músicos é regulamentada e fiscalizada pelo Conselho Federal dos Músicos – para o qual os profissionais pagam anuidade e, em virtude de eventual não pagamento, podem sofrer sanções disciplinares e execução de natureza tributária. O órgão, por sua vez, pode exprimir ideias pela “categoria” e promover a “interlocução com o poder público e a sociedade” mesmo que as opiniões expressas não sejam as dos seus financiadores. A individualidade, intrínseca à atividade, portanto, vê-se ameaçada quando alguém se declara “músico”, porque passa-se a ser financiador compulsório de uma categoria.
Os músicos não são os únicos que sofrem com o financiamento a um órgão de classe
Os músicos, todavia, não são os únicos que sofrem com o financiamento a um órgão de classe. Ao menos 29 profissões contam com conselhos que têm os mesmos direitos de protagonismo político com dinheiro alheio, em evidente ameaça à liberdade profissional, de associação e de expressão. Todas as classes representadas por tais entidades, claro, declaram-se diferenciadas, sui generis, e, portanto, advogam pelo fortalecimento dos seus respectivos conselhos, mediante, claro, anuidade – o que, espera-se, está prestes a mudar.
Apresentada em 9 de julho, a Proposta de Emenda Constitucional 108 prevê a alteração da natureza jurídica dos conselhos profissionais e a desobrigação de inscrição nestes dos profissionais que não exercem atividades que caracterizam risco concreto à vida, à saúde, à segurança ou à ordem pública. Ou seja, um passo ao futuro para músicos, administradores, representantes comerciais, químicos, estatísticos, corretores de imóveis e outros tantos profissionais.
Aparentemente simples, a emenda proposta, em verdade, pacifica inúmeros temas de ordem do Direito Administrativo, tais como a natureza do pagamento aos conselhos, sua espécie de cobrança, o meio de contratação de trabalho por tais entidades e a forma de pagamento destas aos seus prestadores de serviço. Até que ocorra a alteração, que vejo como grande avanço, não aconselho ninguém a se declarar “músico”.
Gabriela Bratz Lamb, advogada associada ao Instituto de Estudos Empresariais, é diretora do Instituto Liberdade/RS.