Se você acha que a vida de hoje é dura, imagine como eram as coisas no passado. As colheitas foram ruins? A solução era fazer sacrifícios humanos para apaziguar os deuses. Práticas que hoje consideramos cruéis faziam parte da rotina: idosos, pobres, doentes, crianças deficientes eram regularmente assassinados ou abandonados. Não havia noção de solidariedade, de igualdade perante a lei, ou compaixão. A exploração do fraco pelo forte, escravidão, poligamia, tortura, eram normais.
Como as coisas começaram a mudar? Não há dúvida que os fundamentos morais básicos da civilização ocidental começaram com os Dez Mandamentos. Em seu clássico livro História Antiga e Medieval, publicado em 1943, Hayes e Moon escreveram: “Se você tiver algum conhecimento dos cruéis rituais nos templos e costumes degradantes... você pode perceber o quanto o mundo moderno deve aos judeus, cujo monoteísmo e ensinamentos morais entraram no Cristianismo e Islamismo”. Segundo o historiador Paul Johnson: “Qualquer pessoa que tenha alguma consciência sobre o funcionamento moral da humanidade no mundo antigo pode facilmente reconhecer o enorme impacto que o judaísmo teve”.
O mundo é um só, mas há um conflito não declarado entre visões de mundo totalmente diferentes com o mesmo objetivo de sempre: poder
A ideia de “consciência e justiça social” não foi inventada por nenhum partido político, por um acadêmico ou por um influencer. A bússola moral do ocidente foi desenvolvida pelas chamadas religiões Abrahâmicas (a partir de Abrahão), que criou o Judaísmo, o qual também influenciou o Cristianismo e o Islamismo. Essas três religiões definem tudo o que nós – e qualquer criança de 6 anos – entendemos como sendo “certo” ou “errado”. As disputas e os extremismos vieram depois, e sempre por razões políticas.
Há pelo menos dois perturbadores processos sociais acontecendo agora. Ironicamente, a “esquerda mundial” se apropriou desses padrões morais e tenta consolidar a noção de que todas as injustiças e desigualdades sociais no mundo seriam culpa da “direita capitalista”. Usam o argumento genérico, de inspiração Marxista, de que apenas quando o “capitalismo” for substituído pelo “comunismo/socialismo” haveria verdadeira justiça social. Os milionários chineses provavelmente também pensam assim, mas não sei dizer se os operários chineses concordariam.
O fato é que nunca existiu um modelo de produção alternativo ao capitalismo – seja estatal, opressor ou democrático. Em uma escala mais ampla, há uma cisão global entre países de “esquerda” (China, Irã, Rússia) e países de “direita” (EUA, Europa, Japão, Austrália etc.). Os dois grupos são capitalistas e todos se dizem “democráticos”, claro, mas os de “esquerda” exercem um capitalismo autoritário de Estado, com limitada liberdade de mercado e de expressão, às vezes com um único partido político (comunista), como é o caso da China e Cuba. O Brasil lamentavelmente agora se coloca ao lado da China, Irã e Rússia, hostilizando aliados tradicionais como EUA e Israel.
Ao mesmo tempo, nos países onde a chamada civilização ocidental se desenvolveu, acontece um processo de inversão de valores. A doutrina “woke”, que se enraizou nas universidades americanas, vem crescendo de forma assustadora e tomando conta de empresas, escolas e meios de comunicação. Entre seus dogmas encontramos coisas como “todo branco é racista”, “todos os negros são vítimas”, “a matemática é racista”, “a biologia é machista” etc.
Esses dogmas da doutrina woke são sustentados por disciplinas como “teoria de gênero”, “teoria racial crítica” ou “teoria interseccional”. Essa última é o estudo dos sistemas de opressão, dominação ou discriminação. Ou seja, os adeptos da doutrina woke transformaram o vitimismo mimimi em uma disciplina acadêmica e escolheram um perfeito bode expiatório histórico: o homem branco, ocidental, heterossexual, o qual, pela definição da doutrina woke”, seria sempre racista, colonialista e sexista.
O pensamento “woke” é naturalmente de “esquerda”. Vejo os termos “direita” e “esquerda” como rótulos ultrapassados, mas são usados aqui de forma heurística para simplificar a atual polarização de ideias sobre formas de implementar políticas partidárias e sistemas de produção econômica.
Em seu excelente livro A Religião Woke, publicado em 2022, o filósofo francês Jean-François Braunstein (Sorbonne), argumenta que a liberdade de pensar está sendo substituída por um culto que persegue, demite e hostiliza os que pensam de forma diferente. Nada democrático. O livro também nos ajuda a entender a perdição das universidades brasileiras sendo transformadas em centros de doutrinação ideológica e não de formação profissional.
Será o estabelecimento de uma nova Inquisição para perseguir com base em critérios de sexo e raça todos aqueles que hoje são identificados como os opressores do passado? Ou uma esperta estratégia política para reverter o status quo?
Se você acha que estou exagerando, lembre-se dos acampamentos de protesto ainda acontecendo em várias universidades, tendo como pretexto a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Esses “estudantes” esquecem que os terroristas do Hamas estupraram, incendiaram, decapitaram e raptaram centenas de inocentes. A sua “luta política”, que inclui absurdos como “Gays for Gaza”, demoniza Israel, tido como “opressor, branco, capitalista e Estado de apartheid”.
Na verdade, Israel é o país mais democrático do Oriente Médio, onde vivem cerca de 2 milhões de árabes (20% da população) com plenos direitos civis, sendo que quase 70% da população de Israel não é branca. Israel tem uma das maiores paradas LGBT+ do mundo, enquanto gays são enforcados ou presos no Irã e em Gaza. Ou seja, tudo é pura politicagem e antissemitismo mal disfarçado. Mais ironicamente ainda, ali foi criada toda a base moral de nossa civilização.
A questão é complexa, envolvendo bilhões de dólares em financiamentos externos para universidades americanas (de 2001 a 2021 US$ 13 bilhões foram recebidos, sendo US$ 4,7 vindos do Qatar, que abriga os líderes do Hamas), agitadores profissionais, milionários como George Soros interessados em financiar ONGs com agendas de “esquerda”, doações generosas para jornais e TVs, grandes empresas de comunicação como a Al-Jazeera e um trem da alegria para docentes carreiristas, invejosos, e pouco sérios.
O mundo é um só, mas há um conflito não declarado entre visões de mundo totalmente diferentes com o mesmo objetivo de sempre: poder. É a Terceira Guerra Mundial em andamento, desafiando os resultados da Segunda, como escrevi em outro artigo.
Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior em inovação, gestão pública e desenvolvimento urbano na ONU em Nova York.