O avanço da dependência química no Brasil é assustador. As estimativas mais conservadoras são de que o consumo do crack leve cerca de 300 mil pessoas à morte nos próximos seis anos
Retomo, amigo leitor, com tristeza e preocupação, o tema de recente artigo publicado neste espaço opinativo: o flagelo das drogas. O avanço da dependência química no Brasil é assustador. E o crack, brutalmente devastador, ocupa o primeiro lugar no mapa da morte. Em mais de 3,8 mil, dos 5,5 municípios brasileiros brasileiros, há graves problemas de segurança pública, saúde e assistência social decorrentes do consumo do crack. Como lembrou recente editorial do jornal O Estado de S.Paulo, o consumo da droga já se disseminou por todas as regiões do país, expandindo-se dos grandes centros urbanos para as cidades de pequeno e de médio portes e até para zonas rurais. As estimativas mais conservadoras são de que o consumo do crack leve cerca de 300 mil pessoas à morte nos próximos seis anos.
Não se faz jornalismo, nem mesmo matéria de opinião, fechado entre as quatro paredes de uma redação ou circunscrito ao rarefeito ambiente de um laboratório acadêmico. É preciso ver, ouvir, apurar, sentir, refletir e, só então, escrever. Nada supera o realismo da velha e boa reportagem. Com esse espírito, movido pelo dever de obter informação verdadeira, mergulhei numa pauta assustadora: a dependência química.
Cabeça baixa, olhos cravados no chão, coração encharcado de dor. "Será que Deus ainda olha para mim?" Paira no ar um tristeza densa, que se pode cortar. A falência da autoestima e o sentimento de culpa, à semelhança de uma laje de chumbo, esmagam a alma. A cena, dura e forte, retrata day after de um adicto de cocaína. O drama, tragicamente rotineiro no frio anonimato da cidade sem alma, não é um recurso ficcional. É real. Tem nome e sobrenome, obviamente preservados por razões éticas elementares. Recuperou-se na Comunidade Terapêutica Horto de Deus, em Taquaritinga, no interior de São Paulo (www.hortodedeus.org.br). Seus olhos recobraram a luz da esperança. Retomou os estudos, concluiu a faculdade de publicidade e propaganda e está batalhando. Com cabeça erguida e dignidade resgatada. Sua história, parecida com a de milhares de jovens, deve ser registrada. E a mão que o salvou, o Horto de Deus, merece uma matéria.
Com gravíssimas dificuldades financeiras e sem qualquer apoio dos governos, embora não faltem falsas promessas de ajuda de políticos oportunistas e de prefeitos de turno, a entidade tem sido responsável pela recuperação de inúmeros dependentes químicos. Os governos não se dão conta de que o trabalho dessas instituições repercute diretamente na qualidade da segurança pública e no custo da saúde. Elas rompem o círculo vicioso das drogas e criam o círculo virtuoso da recuperação e da ressocialização.
Reuni-me com internos do Horto de Deus. A conversa, franca e direta, foi ao cerne do problema, desfez inúmeros equívocos e me transmitiu a sinceridade afiada daqueles que conheceram o fundo do poço. Ao contrário, por exemplo, dos que defendem e a descriminalização das drogas e proclamam o caráter supostamente inofensivo da maconha, todos afirmaram que o primeiro baseado foi o passaporte para as drogas mais pesadas. TKM, de 21 anos, fumou seu primeiro cigarro de maconha com 12 anos. Com 16 anos já tinha mergulhado na cocaína. Chegou à comunidade terapêutica dominado pela dependência do crack. Recupera-se bem, resgatou valores e recuperou a esperança. "Agora, eu sonho com o futuro. Antes, vivia só para as drogas." Seus olhos têm brilho. Um belo exemplo do que pode fazer um bom trabalho de recuperação.
Debates no Congresso Nacional sugerem que as comunidades terapêuticas, bem como as demais instituições idôneas que trabalham na recuperação de adictos, possam, num futuro próximo, receber recursos provenientes do Fundo Nacional Antidrogas e do Sistema Único de Saúde (SUS). Seria uma providência inteligente. É sempre melhor apoiar o que já funciona e bem do que cair na tentação de criar novas estruturas.
O governo da presidente Dilma Rousseff precisa olhar o trabalho das comunidades terapêuticas com seriedade. Elas são, de fato, as grandes parceiras no cerco ao submundo das drogas. Impõe-se um decidido apoio às entidades idôneas que batalham pela recuperação dos dependentes. Afinal, um adicto recuperado é o melhor aliado na luta contra as drogas.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). difranco@iics.org.br
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