Nos últimos meses, a sociedade se transformou. De uma hora para outra, nossos rostos passaram a estar cobertos por máscaras, nossos abraços tiveram de ser temporariamente contidos, nossos passeios foram suspensos. Para uma grande parte da população, ainda, com o distanciamento social veio também o afastamento de seus trabalhos. Muitas famílias vêm sofrendo perda ou redução de renda e têm hoje de dormir sem saber ao certo como será o dia seguinte.
Já foi dito que o vírus ataca a todos, que é democrático, no sentido de que não escolhe raça, classe social, nem gênero. No entanto, salta aos olhos que os danos e impactos da pandemia – aliás, como a própria precariedade da vida – são desigualmente distribuídos e afetam de maneira muito mais imediata e intensa a população já vulnerável.
As razões são óbvias, embora às vezes escamoteadas ou subestimadas nas respostas públicas à crise. Num país onde morar ainda é um privilégio, as dificuldades começam pela ausência de uma casa. Para a população em situação de rua, ameaçada de despejo ou, ainda, sem terra e teto, como manter o isolamento? Mesmo quem tem onde morar enfrenta a falta do mínimo para manter-se: o direito à alimentação é um dos mais violados, no contexto atual. Os problemas passam, ainda, pelas condições (in)adequadas de habilitabilidade: falta água para beber e para lavar as mãos (ainda mais no estado atual de emergência hídrica e racionamento); falta saneamento básico (milhares de domicílios não têm banheiro ou sanitário no Paraná, e diversas áreas ainda carecem de esgoto e drenagem); falta luz; falta acesso à informação e aos meios digitais para frequentar aulas a distância ou para conhecer as medidas adequadas de prevenção ao contágio ou os benefícios sociais existentes. Falta muito. Faltam direitos, muitos direitos fundamentais. A pandemia escancara, assim, as injustiças que marcam historicamente o Brasil.
Diante desse cenário bastante atípico, além da defesa enfática do sistema público de saúde e do necessário amparo aos profissionais que militam nesse front, é urgente fortalecer as instituições que lutam pela população e que garantem a elas o acesso à justiça, como a Defensoria Pública, celebrada nesta terça-feira. A escolha do 19 de maio homenageia Santo Ivo Kermartin, falecido nesta data, em 1303. Ele promovia a defesa da população carente, representando, na época, um verdadeiro instrumento de acesso à justiça aos necessitados. No Paraná, também foi num 19 de maio, em 2011, que a Defensoria Pública se consolidou, com a Lei Estadual 136/2001. É ela que exerce, no presente, a missão do artigo 134 da Constituição de 1988, que se torna ainda mais urgente agora.
Desde o início da pandemia, a Defensoria Pública não parou, nem parará! Todas as equipes da instituição seguem mobilizadas. Defensoras e defensores públicos, servidores dos mais variados campos profissionais, bem como a ouvidoria, através da ponte da sociedade civil, além de darem continuidade às demandas ordinárias, estão engajados no combate à pandemia e aos seus desdobramentos negativos para a população paranaense. A garantia e a promoção dos direitos, matéria-prima desse trabalho, intensifica-se nesse grave momento.
A Defensoria Pública, nas últimas semanas, assegurou que mulheres grávidas tivessem direito a acompanhante no parto; que uma criança autista tivesse seu plano de saúde reestabelecido; que gestantes em risco recebessem alimentos gravídicos; que idosos tivessem religadas sua energia elétrica e fornecimento de água. Ainda, por meio de mutirões de atendimento, reduziu-se o número de adolescentes em Centros de Socioeducação e casas de semiliberdade, garantindo que os demais permanecessem com suas famílias; que prefeituras garantissem abrigo para a população em situação de rua; que se mantivesse a distribuição de merenda escolar aos alunos; que despejos fossem postergados, evitando que centenas de famílias perdessem sua moradia; que não fossem cortados serviços essenciais por atraso no pagamento. Essas e inúmeras outras demandas ilustram o espírito que anima a Defensoria Pública.
Nesse 19 de maio, nunca é demais relembrar a mobilização da sociedade paranaense em movimentos como o Defensoria Já, que remonta a uma década, e a essencialidade da Defensoria Pública, a importância de que ela seja ampliada e que alcance a todos, sobretudo a quem está, ainda, à margem de tantos serviços e direitos. Afinal, é por mais e não menos direitos que a crise será vencida!
Ana Caroline Teixeira, defensora pública no Paraná, é presidente da Associação das Defensoras Públicas e Defensores Públicos do Paraná (Adepar). Thiago Hoshino é ouvidor-geral externo da Defensoria Pública do Paraná.
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