| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

A identificação de indicadores econômicos positivos, no fim de 2016, ainda que localizados e de reduzida magnitude, ao lado de sinalizações de retorno da confiança de empresários e consumidores neste começo de 2017, sob a influência, sobretudo, da decisão acertada (embora demorada) do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, de construir uma rota de cortes mais pronunciados nos juros, permitiu a feitura de diagnósticos de que a instabilidade teria chegado ao fundo do poço e o país estaria finalmente escapando do abismo recessivo.

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Do ponto de vista técnico, o quadro depressivo desaparecerá quando, de maneira generalizada, as estatísticas das diversas variáveis subjacentes aos níveis de atividade superarem as verificadas no mesmo período do ano antecedente. Nessa perspectiva, parece até razoável admitir e projetar a ocorrência desse fenômeno já no primeiro trimestre de 2017, auxiliada pela base de comparação bastante deprimida, erguida entre janeiro e março de 2016.

Contudo, convém advertir que o comportamento da produção e dos negócios no princípio do ano é tradicionalmente determinado pela ampliação das encomendas do comércio à indústria, visando à recomposição dos estoques desovados com a movimentação de vendas de fim de ano – que, por sinal, em 2016 revelou a pior performance desde que a conjuntura de varejo é alvo de mensuração pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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A combinação de alguns elementos virtuosos e uma agenda de reformas permite a observação de horizontes menos turvos

Há igualmente a apreciável interferência da colheita, comercialização, processamento industrial e exportação dos produtos do agronegócio que, em tempos de estabilização de preços nos mercados globais, devem ativar os fluxos de renda, de uma forma pulverizada geograficamente, e provocar efeitos multiplicadores em um número nada desprezível de cadeias de valor acopladas a esse segmento.

No fundo, o evento do agro abarca a repetição do que ocorre praticamente em todos os anos, exceto por ocasião de frustrações de safra, associadas a problemas climáticos, ou compressão das cotações internacionais dos alimentos, costumeiramente motivada por declínio de demanda ou circunstâncias de oferta excessiva. Até porque, não fosse a produtividade e competitividade do agronegócio, cada vez menos preso às amarras da ineficiência governamental, as contas externas da nação estariam em situação de irremediável colapso.

Por certo, no plano doméstico, a combinação de alguns elementos virtuosos, em paralelo ao lançamento de uma agenda de reformas, gestada em 2016, permite a captação e observação de horizontes menos turvos, a eliminação da sensação de barco à deriva e, por extensão, o regresso dos componentes essenciais ao alargamento temporal da previsibilidade dos agentes.

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Dentre os itens favoráveis, sobressai o acentuado decréscimo da inflação, surpreendendo os mercados e a própria equipe econômica, possível por recessão inédita, em intensidade e duração, que ensejou o abrandamento das posturas conservadoras da autoridade monetária. Apenas para ilustrar, a inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 5,35% no ano encerrado em janeiro de 2017, contra 6,29% nos 12 meses imediatamente anteriores. Já o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 9,5% entre abril de 2014 e dezembro de 2016.

Os demais ativos reúnem a prospecção de esquemas fiscais na direção da restauração do equilíbrio orçamentário, no longo prazo, fruto da imposição de tetos constitucionais à evolução dos gastos públicos federais, e o encaminhamento, pelo Executivo ao Legislativo, de indiscutíveis avanços institucionais, como a proposta de um novo arcabouço previdenciário e a reforma de aspectos da legislação trabalhista.

Só que a legitimidade de tais empreitadas esbarra no desenrolar das investigações da Operação Lava Jato, que, a julgar pela multiplicação das delações premiadas dos executivos das corporações públicas e privadas envolvidas, deve, paradoxalmente, atingir apreciável fração dos parlamentares encarregados da discussão e formulação de modificações no modus operandi do tecido econômico e social do país.

Por tudo isso, a retomada do fôlego da economia brasileira, sem o uso contínuo de aparelhos, deve ser recebida com redobrada cautela. Na melhor das hipóteses, será um estágio de reerguimento amparado na ocupação das enormes margens de ociosidade, acumuladas durante a fase de prolongada retração, em um ambiente de massa de salários cadente, com o desemprego recorde e o encolhimento dos rendimentos reais, mesmo com a queda da inflação, e endividamento e inadimplência ainda em patamares extremamente elevados. Sem contar as incertezas oriundas do front externo, determinadas pelas posições nocivas ao funcionamento do comércio global, manifestadas pelo novo governo dos Estados Unidos que, em uma pressuposição otimista, devem brecar acenos de sincronização da recuperação econômica mundial e punir Estados com finanças públicas cronicamente abaladas.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é professor da FAE Business School, e ex-presidente do Ipardes.