Dentre as alterações trazidas pela Lei Complementar (LC) 157, sancionada no fim de 2016 pela Presidência da República, está a inclusão de novos itens na lista de serviços que, por óbvio, não constavam na lista anterior, trazida pela LC 116, de 2003. A inclusão desses novos itens via lei complementar federal, de acordo com a Constituição, garante para cada município a possibilidade de tributá-los em seu território, via respectiva legislação municipal, o que deverá aumentar a arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS).
A despeito de o tempo do legislador nem sempre acompanhar a rapidez com que andam as tecnologias e novas formas de negócio do mundo atual, é fato que, no Brasil, tal inclusão permitiu a atualização de serviços que em 2003 (ano da última atualização) – ou seja, há 13 anos – não eram tão representativos, a exemplo dos serviços de piercings e tatuagens (subitem 6.06), ou que nem sequer existiam, como o Uber e Cabify, concorrentes do tradicional táxi, em face da introdução do subitem 6.02, “outros serviços de transporte municipal”.
A discussão envolve, basicamente, a definição de serviço como sendo uma “obrigação de fazer”
Ainda que a nova lei complementar tenha tido a virtude de modernizar a lista de serviços, ao revisitar e atualizar a referida lista, o legislador federal acabou não resolvendo um antigo problema, além de ter trazido à tona discussão parcialmente pendente no Poder Judiciário junto aos municípios: a possibilidade de tributação pelo ISS da cessão de uso. É o que revela, por exemplo, a manutenção na lista do item 3, relativo a “serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres” e seus respectivos subitens, com destaque para o subitem 3.02, “cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda”; e a inclusão dos itens 1.09, “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet” (no qual se incluem o Netflix e o Spotfy) e o subitem 25.05, “cessão de uso de espaços em cemitérios para sepultamento”.
Em suma, nesse caso a aludida discussão envolve, basicamente, a definição de serviço como sendo uma “obrigação de fazer” e, a partir daí, considerar se as operações que envolvem cessão de uso, como as exemplificadas acima, constituem prestação de serviço propriamente dita, independentemente de constarem na lista de serviços definida pelo legislador federal. Uma vez não se caracterizando como serviço, a cobrança do ISS pelo município seria inconstitucional.
Não custa lembrar que, em relação às operações de locação de bens móveis, o Supremo Tribunal Federal (STF), há algum tempo, declarou inconstitucional a incidência do ISS, firmando jurisprudência no sentido de distinguir a “obrigação de dar e entregar” da “obrigação de fazer”, inclusive editando a Súmula Vinculante 31, a fim de pacificar a discussão. Foi justamente com base nesse entendimento que, em 2003, a então Presidência da República vetou o item 3.01, relativo à “locação de bens móveis”, da lista de serviços anexa à LC 116. No entanto, de forma contraditória à posição do STF, manteve na lista os demais itens subsequentes de mesma natureza, permanecendo assim a polêmica.
Apesar das peculiaridades desses novos “serviços”, sobretudo os relacionados ao direito de acesso via internet e dos respectivos contratos que envolvem cessão de direitos, é inevitável considerar o peso da jurisprudência firmada pelo STF pela citada Súmula 31, de modo que, pelo mesmo raciocínio, quaisquer operações que de fato tenham por finalidade a cessão de direito de uso, como os de marca e transferência de tecnologia, estariam fora do campo de incidência do ISS.
Cumpre alertar, todavia, que ainda estão pendentes de definição no STF, via repercussão geral, outras discussões que também levam em conta esses aspectos e que poderão influenciar e resolver a tributação em relação a esses itens polêmicos da lista. É o caso da discussão sobre a incidência do ISS sobre contratos de licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador (software) desenvolvidos de forma personalizada.
Enquanto isso, os contribuintes prestadores ou tomadores de serviços que possuam contratos e/ou operações com essas características e que já estejam sendo ou poderão ser onerados pelo ISS, seja em virtude da LC 116/03 ou pelas alterações trazidas pela LC 157/16, devem avaliar cuidadosamente sua situação e buscar a salvaguarda judicial, visando a redução de seus custos ou, ainda, de sua respectiva carga tributária.