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É preciso falar sobre a epidemia silenciosa de suicídios entre policiais

Alta de suicídios de policiais é quase 8 vezes maior do que taxa da população em geral
Imagem ilustrativa. (Foto: Divulgação PM-ES)

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Uma epidemia silenciosa vitima profissionais de segurança pública em todo o país. Enquanto ONGs, membros do Judiciário, políticos e parte da mídia impulsionam uma campanha de desqualificação da imagem dos agentes, o Fórum Nacional de Segurança Pública registra uma alta de mais de 55% no número de suicídios de policiais.

A guerra assimétrica contra crime, onde os agentes do Estado lutam de mãos amarradas contra facções criminosas, livres para usar todo tipo de tática, arma ou estratégia, tornam a missão policial um trabalho de Sísifo, drenando as esperanças e adoecendo a alma de todos aqueles que se voluntariam para a empreitada. O sistema judicial, que deveria ser aliado da população, tornou-se inócuo. Dominado pelo garantismo extremo e orientado pela criminologia crítica, esqueceu-se das vítimas e elegeu os policiais como inimigos da sociedade, que agiriam supostamente motivados por uma lógica bélica, pelo racismo estrutural e com sanha genocida.

O Anuário Brasileiro da Segurança Pública trouxe um dado no mínimo alarmante, mostrando que o número de suicídios de policiais da ativa teve um crescimento de 55,4% em 2021, em comparação com o ano anterior. É importante salientar que parte desse aumento se deve ao registro de casos que até 2020 não eram notificados, principalmente do estado de São Paulo, que representou 23,7% dos casos. Mas mesmo ignorando a realidade paulista, ainda houve um aumento significativo no número de suicídios de policiais. Alguns estados chamam atenção pelo agravamento do problema: Maranhão, com um aumento de 200%; Rio Grande do Sul, 133%; Pernambuco, 133,3%; e o Distrito Federal, com aumento de 89%.

Um mecanismo ainda mais doente, uma verdadeira demonstração de desprezo pela atividade policial, são as saídas temporárias. As famosas “saidinhas” são como férias da cadeia para criminosos condenados

Mesmo diante da evidente tragédia, o tema parece ser um tabu nas corporações, como se o silêncio tivesse poder de evitar novos casos ou diminuir a dor dos parentes, amigos e companheiros de trabalho. É preciso trazer luz, eviscerar e destrinchar a situação para de alguma forma buscar alternativas para proteger os policiais de seus próprios demônios internos. Apesar de o suicídio ser um ato motivado essencialmente por conflitos internos, não podemos ignorar que muitos deles nascem da natureza e dos fatores conjunturais relacionados à atividade profissional no campo da segurança pública.

O trabalho policial exige que os profissionais estejam engajados na missão mesmo sob a perspectiva de consequências pessoais terríveis. A segurança pessoal e mesmo o instinto de autopreservação precisam, muitas vezes, ser suprimidos para que as operações sejam executadas com eficiência. A compensação para essas pressões deveria ser o reconhecimento social; o policial precisa acreditar que os sacrifícios que ele está disposto a encarar serão entendidos como de alto valor para as pessoas que dependem de suas ações. Quando isso não acontece, é como se o trabalho não tivesse sentido, afinal, por que arriscar a vida por pessoas que desprezam esse sacrifício? Ao mesmo tempo, o profissional assumiu a responsabilidade, através de um compromisso juramentado, de que persistiria em seu propósito sob as circunstâncias mais extremas, e essa dicotomia cria um grave conflito interno.

Quando falamos em falta de reconhecimento social, não se trata de homenagens, condecorações ou afagos no ego, mas das distorções que existem em torno da atividade policial, que aumenta a carga de estresse a que os agentes se submetem cotidianamente.

No campo legal, as audiências de custódia anulam, em poucas horas, os esforços diários de milhares de policiais que estão nas ruas. De acordo com relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de fevereiro de 2015 e fevereiro de 2021, pelo menos 758 mil audiências de custódia foram realizadas e centenas de milhares de criminosos presos em flagrante, fruto do trabalho de rua de policiais militares e civis em todo o país, acabaram retornando às ruas. Que fique claro: as pessoas submetidas a esse tipo de audiência são aquelas que foram presas no ato do cometimento do delito ou logo após, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que levam a presumir que o detido é o autor da infração.

As aberrações jurídicas não se encerram aí. Um mecanismo ainda mais doente, uma verdadeira demonstração de desprezo pela atividade policial, são as saídas temporárias. As famosas “saidinhas” são como férias da cadeia para criminosos condenados, implementadas em datas comemorativas como Natal, Páscoa e Dia das Mães, sob a justificativa de preparar o preso para o retorno à sociedade. O pré-requisito para o benefício é que o preso esteja no regime semiaberto – outra excrescência –, o que no Brasil significa que o criminoso cumpriu um sexto da pena ou um quarto, se for reincidente.

Mas talvez a pior mazela do cenário jurídico brasileiro seja a criminologia crítica que é uma teoria de inspiração marxista concebida por Alessandro Baratta, com base epistemológica na teoria do etiquetamento do sistema penal, isto é, na seletividade dos órgãos de controle social formal (do Estado) direcionada a pobres, negros, egressos e outras minorias.

Segundo essa teoria, o controle social não é uma resposta ao crime, mas, sim, produz o crime, pela definição formal, o etiquetamento. Dessa forma, os criminosos deixam ser vistos como agressores e passam a ser encarados como vítimas de um sistema estatal opressor, que tem como um dos seus braços mais contundentes as corporações policiais. Nessa abordagem, as vítimas dos assaltantes, estupradores e traficantes deixam de ser consideradas na equação e os policiais passam a ser vistos como os agressores. Infelizmente, essa doutrina dominou hegemonicamente as escolas de Direito e acabou construindo o viés interpretativo dos magistrados brasileiros, colocando em lado opostos aqueles que tentam proteger as pessoas e transformando o sistema legal em aliado dos interesses das facções, organizações criminosas e marginais independentes.

Nesse sentido, decisões como APDF 635, proibindo operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, têm como justificativa um suposto racismo estrutural e uma atuação belicosa e potencialmente genocida das forças de segurança cariocas. Se existe uma forma mais ostensiva e ofensiva de cuspir no esforço, no sacrifício pessoal e de denegrir a imagem dos policiais, ninguém ainda conseguiu colocar em prática.

A propagação desses preconceitos é realizada, principalmente, por setores da mídia e intelectuais que dão espaço a interpretações equivocadas, que chegam até as populações mais carentes e ajudam a forjar um imaginário popular onde os policiais e profissionais de segurança são vistos sob a ótica da criminologia crítica, como um “inimigo”. Os policiais, por sua vez, acabam hostilizados por aqueles que juraram proteger e por quem, cotidianamente, arriscam suas vidas. Tal processo perverso acaba adicionando mais um elemento pressão sobre os policiais que, dificilmente conseguem compreender a razão de serem repelidos por aqueles que desejam proteger.

Esses discursos “antipolícia”, que contaminam a sociedade, incluindo pessoas próximas dos agentes de segurança, pode levar a conflitos familiares e à sensação de falta de apoio. A desesperança, o desespero e o desamparo são o resultado natural do total desprezo social a que muitos policiais estão submetidos em razão de sua profissão. Por isso, não é raro que os policiais, quando, infelizmente, atentam contra a própria vida, o façam de modo quase ritualístico, vestindo suas fardas e usando o armamento da corporação. Infelizmente, a baixa remuneração dos profissionais em alguns estados também expõe os policiais a graves problemas financeiros, outro fator relevante para o aumento do risco.

Os laços sociais são fundamentais para a saúde mental, e quanto maiores os laços sociais em uma determinada comunidade, menores seriam os riscos de se atentar contra a própria vida. Transposto para esfera individual, este conceito pode indicar um dos fatores que tem contribuído para o aumento de casos nas corporações.

Outro aspecto relevante, mas que é solenemente ignorado atualmente, é a esfera espiritual dos profissionais. A essência do trabalho policial, que lida diariamente com os eventos mais violentos e sombrios da sociedade, faz com que os profissionais precisem de um arcabouço de valores e crenças que deem uma base sólida para a manutenção do equilíbrio emocional. Talvez por isso sejam a única classe de servidores que tenham, em seus quadros, serviços de capelania. Mas, infelizmente, o preconceito moderno com os aspectos religiosos diminuem a importância desses serviços dentro das corporações e tira dos policiais uma ferramenta fundamental de proteção.

Como Sísifo, os policiais se encontram aprisionados em uma tarefa pesada, dolorosa e infrutífera. A pesada carga da missão, os constantes ataques do mainstream, a indiferença da sociedade e a oposição do sistema judicial colocam muitos policiais em uma espiral de desespero. Sísifo não tinha saída, afinal, já estava no reino dos mortos, mas os profissionais da segurança pública ainda podem encontrar esperança, com o apoio da sociedade e de suas famílias.

Luiz Fernando Ramos Aguiar é major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), especialista em segurança pública e colunista da revista Blitz Digital.  

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