O Brasil, país de dimensão continental, dotado de uma enorme reserva aquífera, de clima tropical e a quarta maior territorialidade litorânea no mundo, tem um enorme potencial fomentador do desenvolvimento sustentável. O problema é que diante da vastidão de possibilidades e oportunidades que a nossa rica natureza nos oferece, por vezes esquecemos de sua finitude e da necessidade que temos de aprender a manuseá-la e gerenciá-la para que não provoquemos sua escassez ou esgotamento.
Aqui, como em quase todo o mundo, a relação entre as necessidades humanas e a ontologia do trabalho deve ser resgatada para fazer um contraponto ao nosso modus operandi de consumo desenfreado, que tem se arrastado desde o século 20 e se apresentado com consequências mais fortes e danosas ainda mais neste início de século 21.
A mudança das plantas e parques industriais, o advento da tecnologia e toda a complexidade das relações humanas trouxeram para o planeta um quadro difícil. Um grande desafio se apresenta e para vencê-lo é preciso resposta para uma gigantesca pergunta: como saber equilibrar a ânsia do modelo de produção econômico vigente, com nossas necessidades sociais e individuais, e a possibilidade de o planeta construir suas relações de mercado?
A Agenda 2030, constituída de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e criada e referendada por 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), indicou vários caminhos. Entre eles, o estabelecido no ODS 12: "Consumo e produção responsáveis". Na sua lista de compromissos, ele exige que nos próximos 11 anos adotemos uma série de mudanças indispensáveis para a redução da pegada ecológica sobre o meio ambiente.
É a hora de estabelecer novas lógicas, com a promoção do reaproveitamento integral dos alimentos, da agroecologia como forma de produção
Dita que usemos a informação, a gestão coordenada, a transparência e a responsabilização dos atores consumidores de recursos naturais como ferramentas-chave para o alcance de padrões mais sustentáveis de produção e consumo. Mas também determina algo de ordem bem mais prática, como a promoção da eficiência do uso de recursos energéticos e naturais, da infraestrutura sustentável e do acesso a serviços básicos.
Neste ponto, nós, brasileiros, chegamos a experimentar alguns bons caminhos. Seja pela criação de medidas inovadoras, capitaneadas pelos movimentos da sociedade civil e por governos, ou apenas pelo exercício de uma vocação natural. Em nosso país, por exemplo, 70% dos alimentos consumidos já são oriundos da produção agrícola de povos e comunidades tradicionais e dos agricultores familiares. Em suma, das pequenas propriedades. Os dados são da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Nos últimos anos também reacendemos alguns debates sobre a condição de consumo de mercadorias, em especial a industrial, como no caso da confecção do Guia Alimentar da População Brasileira, que resultaram na valorização das práticas artesanais e da economia solidária. Com isso, tivemos uma ampliação dos espaços de comercialização e da estilização dos produtos do artesanato que resultaram num ganho e numa nova agenda de identidade, consumo e uso, seja com o advento das sacolas retornáveis, dos produtos diretos das áreas rurais ou mesmo do incentivo direto a um mercado menos agressivo e próximo da população.
Embora ainda pequena, a reflexão levou, ainda, a uma série de investimentos na construção de parques energéticos eólicos e do uso da energia solar. Programas como o Minha Casa Minha Vida garantiram em grande parte das novas residências equipamentos de captação solar que, além de diminuir o custo das famílias em suas residências, ampliaram a possibilidade de uso energético.
No campo, diversas campanhas públicas incentivaram e até conseguiram fazer das pequenas barragens ecológicas e da diminuição do uso de agrotóxicos uma possibilidade de não ter a natureza e, consecutivamente, o planeta como os principais atingidos por uma forma de produção agressiva e inconsequente.
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O problema é que o pouco que começava a ser conduzido está perdendo espaço com o desenho de novos trilhos. Um caminho que vem sendo marcado pelos desmontes sociais e uma agenda proposta, pelo governo e pela elite nacional, que estão na contramão das relações que principiavam entre um consumo responsável e o desenvolvimento nacional, que não tenha o mercado financeiro como única condição.
Em casos bem práticos é possível constatar este descompasso. O aumento do uso de agrotóxicos – nos 100 primeiros dias do novo governo foram liberados à comercialização 152 produtos, inclusive alguns proibidos em vários países –, a desregulação da economia pública, o aumento do desemprego e o fim de políticas estratégicas referentes ao trabalho e meio ambiente estão na contramão do desenvolvimento sustentável.
Além, claro, dos problemas para os quais ainda não tínhamos conseguido saída. Nos centros urbanos, onde está a maior concentração populacional brasileira, que são as regiões metropolitanas, ainda é fundamental garantir o acesso à cidade, seja pelas políticas sociais, ou por medidas objetivas que afetam diretamente o cotidiano, como a ampliação do transporte público. A água também deve ser preservada, exigindo uma diminuição do uso de barragens, seja para contenção de minério ou para produção energética. O agronegócio e os mineriodutos, que levam minério pelo leito paralelo dos rios, precisam ser repensados.
É a hora de estabelecer novas lógicas, com a promoção do reaproveitamento integral dos alimentos, da agroecologia como forma de produção e de uma tecnologia que aponte para a vida. É hora de as organizações sociais se engajarem ainda mais neste novo posicionamento, e de governos municipais e estaduais e o Legislativo brasileiro lutarem para assegurar investimentos públicos primordiais, para que as refrações políticas não sejam impedimento ao nosso desenvolvimento responsável. Defender o planeta e o nosso país passa por pensar e propor ações políticas quanto a consumo e produção criteriosas, em quaisquer tempos e adversidades.
Francisca Maria da Silva é coordenadora executiva do Fórum Nacional de Economia Solidária. Leonardo Koury Martins é conselheiro de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) de Minas Gerais. Ambos são integrantes do Grupo de Trabalho Agenda 2030.