A modernização radical da tecnologia de prestação de serviços dos governos não é tarefa tão difícil, pois o setor privado em nosso país já está utilizando o que há de mais moderno, mas é necessário antes de tudo modernizar a cabeça dos administradores
Duas experiências bem-sucedidas com serviços públicos: precisei renovar minha carteira de identidade, pois ninguém mais era capaz de reconhecer na minha rechonchuda e envelhecida estampa atual, aquele guapo jovem da fotografia tirada ainda no tempo do daguerreótipo. Acessei o site do Instituto de Identificação na internet, reuni a pouca documentação necessária, fui ao Posto de Identificação do Bacacheri. A rapidez e a cordialidade do atendimento mais que compensaram a pobreza das instalações físicas. Cinco dias depois, a carteira estava pronta. A única dificuldade que tive foi com o pagamento, que só podia ser feito em um determinado banco e, como eu não tinha conta nele, enfrentei bravamente uma fila na agência.
Segunda experiência: Elizabeth precisou renovar o passaporte, acessou o site da Polícia Federal, reuniu a pouca documentação necessária, agendou um horário para alguns dias depois. No horário marcado, foi gentilmente atendida em instalações de excelente categoria e dez minutos depois o processo estava concluído.
Já em um pequeno município catarinense, um aposentado, exasperado por estar tentando, há dez dias, obter um atendimento na Secretaria Municipal de Saúde, fuzilou com cinco tiros uma pobre funcionária, que possivelmente não tinha a menor parcela de culpa pela ineficiência do órgão. O aposentado agiu de maneira contraditória com os claros sinais de desequilíbrio que apresenta: antes do crime, deu queixa na polícia por mau atendimento e após balear a funcionária, declarou que agiu em defesa do povo para protestar contra a forma como os contribuintes são tratados. E concluiu sensatamente: "Sou criminoso, mas não sou bandido".
Qual é a real diferença entre as três situações? Acredito que nas duas primeiras, o avanço tecnológico foi utilizado inteligentemente, por funcionários tecnicamente preparados. No terceiro, nada disso aconteceu. Embora a modernidade tecnológica esteja disponível para ser utilizada em qualquer órgão ou serviço público, na maioria deles, fazer valer um direito elementar ou obter um atendimento singelo é uma garantia certa de irritação, atraso e de aborrecimento.
A modernização radical da tecnologia de prestação de serviços dos governos não é tarefa tão difícil, pois o setor privado em nosso país já está utilizando o que há de mais moderno, mas é necessário antes de tudo modernizar a cabeça dos administradores. Bancos, companhias telefônicas e grandes empresas privadas utilizam intensivamente as tecnologias contemporâneas de comunicações e processamento de dados para facilitar a vida de clientes: paga-se e recebe-se tudo ou quase tudo via internet, compra-se e vende-se uma miríade de produtos em lojas virtuais em números impressionantes e crescentes a cada ano. Os consumidores brasileiros já têm 180 milhões de celulares e 120 milhões de cartões de crédito com os quais compram, contratam serviços e sacam dinheiro em qualquer lugar do mundo com incrível facilidade. Enquanto isso, aqui, têm-se de ir fisicamente à Urbs ou a uma Rua da Cidadania para conseguir um prosaico Cartão-Transporte, levando uma batelada de documentos, não se pode pagar custas e impostos com cartões de crédito; nem os Correios os aceitam como moeda, enquanto que por tacanhice ou ganância de alguns governantes há contas que só podem ser pagas em um banco determinado.
É claro que há avanços na implantação do chamado governo eletrônico, mas eles ainda são tímidos e limitados, sem que se compreenda que a universalização dos serviços eletrônicos será a única maneira de realmente melhorar os padrões dos serviços públicos no Brasil. Já pensou você ter acesso a todos os serviços da prefeitura, do governo estadual ou do federal 24 horas por dia, 365 dias por ano, sem ter de se deslocar fisicamente? Sonho? Só para nós, pois, se o paciente leitor acessar o site de Hong Kong descobrirá que isso é exatamente o que acontece naquelas exóticas paragens.
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Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.