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Em seu início – em torno de 2003 –, a EaD (Educação a Distância) no Brasil enfrentava elevados preconceitos sob a acusação de precarizar a qualidade do ensino e, na época, merecidamente. Depreciavam-na como um supletivo da educação superior. Todavia, com a progressiva incorporação de tecnologias e plataformas bem mais avançadas, com a profusão de ambientes virtuais aliados a novos modelos pedagógicos, propicia-se hoje a oferta de um ensino de qualidade equiparável ao presencial. Afinal, às duas modalidades é determinante a qualidade da educação ofertada, sendo ambas indispensáveis para chegar o mais próximo possível à meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE): matricular 33% dos jovens de 18 a 24 anos na educação superior até 2024 (seguramente inalcançável, pois atualmente o índice beira os 20%).
Soma-se às progressivas melhorias da modalidade, a incorporação pelas instituições de ensino superior de profissionais (professores, tutores, técnicos etc.) com expertise na modalidade, além da implantação de laboratórios, videoaulas e momentos para a troca de ideias em fóruns no ambiente virtual. E, fundamentalmente, maior potência dos equipamentos e das conexões de internet. Ademais, mesmo datada de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) faz referência à EaD em nove artigos ou incisos, tendo o MEC amparo legal e ferramental para avaliar os cursos remotos com os mesmos critérios e rigor como o faz para os presenciais.
Toda disrupção ou mudança de paradigma é naturalmente alvo de críticas, mas nesse caso não deveriam estar voltadas à modalidade EaD e sim às faculdades que eventualmente estejam defasadas na tecnologia, no suporte didático e na oferta de oportunidades de boa capacitação aos seus docentes, tutores e técnicos. E uma parte desse problema, que não é generalizado, mas existe, tem origem em uma portaria do MEC de 21 de junho de 2017 que promoveu uma abertura descomunal e desestruturada de polos, levando à concorrência predatória por preços e uma consequente insatisfação dos estudantes pelo baixo nível de aprendizagem em diversos cursos – uma vez que ocorria uma disputa pela mensalidade mais baixa, nem sempre pela melhor formação. Todavia, nestes últimos cinco anos desde a promulgação da referida portaria, a EaD foi se ajustando, até por controles e outras ações do MEC.
Assim, alguma dicotomia que ainda hoje exista entre a educação a distância e a presencial em breve não fará mais sentido, pois são modalidades complementares: é aprendizagem e ponto. Tanto é verdade que, no Brasil, também é considerado pelo MEC como EaD o ensino semipresencial (ou também denominado híbrido ou blended) – nos quais se amalgamam o presencial e o virtual sob a premissa do que melhor convém para o aprendizado. Nesse sentido, a partir de uma portaria do MEC de 31 de dezembro de 2018, até 40% do conteúdo da carga horária de um curso presencial pode ser a distância – antes esse limite era de 20% –, mas com ressalvas, como por exemplo índices menores para os cursos da área de saúde. Este alargamento mereceu, novamente, uma saraivada de críticas por parte de muitos professores, porém, tenhamos em mente que a maioria dos ingressantes em nossas universidades é de nativos digitais adeptos avessas tecnologias, ainda mais após o recente período de aulas 100% remotas devido à pandemia. Ademais, observa-se um rejuvenescimento dos alunos da EaD: em 2012, a idade média era de 30 anos,caindo para 20 anos em 2020.
E diversos são atrativos da EaD: preços acessíveis, horários flexíveis e não-necessidade de deslocamentos para as aulas. Com o ganho de escala, a mensalidade, na média, fica em torno de 40% da similar na modalidade presencial. É um instrumento democrático, pois permite ao aluno estudar onde e quando puder. Com as dificuldades de mobilidade urbana, pode significar um ganho diário de 2 a 3 horas e redução nos gastos com locomoção. Ademais, no ambiente virtual desenvolvem-se habilidades muito valorizadas no mercado de trabalho: fluência digital, boa gestão do tempo, foco, autonomia para aprender e maturidade para não embicar para o sedutor mundo das mídias sociais e outras distrações on-line. E, após finalizada a graduação, o diploma não faz qualquer inferência de que foi concluída na modalidade a distância. Na outra ponta, ganhos de escala para os mantenedores, além de espaço físico menos dispendioso, pois os campi convertem-se em um ativo menos frequentado.
Nos dados do Censo da Educação Superior recém-divulgados, constata-se que, pela primeira vez na história de nosso país, as matrículas de ingressantes em nossas faculdades na modalidade EaD superaram em cerca de 15% as do presencial. Mais especificamente em 2020: 2,01 milhões optaram pela EaD e 1,75 milhão pelo presencial. Ademais, significativo foi o crescimento de matrículas em EaD na década que vai de 2011 a 2020: 428%, enquanto o presencial minguou 13%, e o que se observa é uma boa dose de canibalismo. E pode parecer surpreendente para muitas pessoas, mas a qualidade dos cursos EaD se mostrou levemente superior na última divulgação do CPC (Conceito Preliminar de Curso, medido pelo MEC, numa escala que vai até 5): 94% dos cursos em EaD obtiveram nota de 3 a 5, em contraponto ao presencial, com 86,7%. Numa palestra em Curitiba, em tom de blague, José Armando Valente, da Unicamp, promoveu risos ao afirmar que “nosso diploma, até pouco tempo atrás, era medido por horas de bunda do aluno em sala de aula”. Agora, finalmente, não mais. O que realmente importa é o compromisso da instituição com um ensino-aprendizagem efetivo, não a modalidade em que isso é ofertado.
Jacir J. Venturi foi diretor e professor de escolas públicas e privadas e é vice-presidente do Conselho Estadual de Educação do Paraná.