Em tempos de aplicativos e serviços de streaming com custo baixo (ou inexistente), as barreiras que impedem a universalização do acesso ao conteúdo audiovisual não são mais econômicas ou tecnológicas. Elas se devem principalmente à intervenção desnecessária do Estado.
No Brasil, as regras que regulam os serviços de TV por assinatura acabaram criando regras descabidas e que já nasceram obsoletas.
A lei 12.485, de 2011, estabelece, dentre outras coisas, que empresas com capital majoritariamente estrangeiro não podem atuar no setor; que os conteúdos das TVs a cabo só podem ser definidos por brasileiros natos ou naturalizados há pelo menos 10 anos; e que parte do conteúdo de cada canal precisa ser obrigatoriamente produzido no Brasil. Na prática, isso significa que burocratas decidem o que o consumidor deve ou não assistir.
O que os marcos legais acabam fazendo é impedir a concorrência e privilegiar os grandes oligopólios nacionais
Às já inegáveis consequências negativas da intervenção estatal na economia, deve ser acrescido outro fator igualmente relevante neste caso: a legislação e as regulações simplesmente não conseguem se atualizar na velocidade necessária em um mercado competitivo e disruptivos como os de tecnologia e telecomunicações. Recentemente, um grupo de organizações liderada pela Property Rights Alliance e o Centro Mackenzie de Liberdade Econômica publicou uma carta enfatizando esses temas. A carta registra que “a intervenção do Estado deve ser sempre a última opção”. E que isso “isso vale especialmente para indústrias com alto grau de dinamismo, como os setores digital e de telecomunicações”.
Embora seja relativamente recente, a Lei de Audiovisual (proposta ainda em 2007 na Câmara dos Deputados) foi discutida e votada num período onde não havia tanta demanda por aplicativos conteúdo on-demand. Nos Estados Unidos, o Netflix ainda oferecia serviços de aluguel de DVDs. Pioneiro, o serviço de streaming da companhia chegaria ao Brasil somente em 2011.
O absurdo de algumas regras ficou mais evidente quando a Anatel proibiu a Fox de distribuir conteúdo de streaming gratuitamente em um aplicativo. A justificativa, com base em uma regra confusa da lei de 2011, é a de que a distribuição de conteúdo não pode ser feita pela mesma empresa que o produz. Ou seja: como a Fox possui canais de TV paga, a companhia pode oferecer o conteúdo via aplicativo apenas para seus assinantes.
VEJA TAMBÉM:
- A neutralidade da rede nos Estados Unidos e no Brasil (artigo de Ericson M. Scorsim, publicado em 29 de dezembro de 2017)
- O direito do consumidor pede socorro (artigo de Marcelo Conrado, publicado em 26 de janeiro de 2017)
- As telecomunicações precisam de uma lei que acompanhe seu avanço (artigo de Carlos Eduardo Sedeh, publicado em 26 de julho de 2019)
Não será tão fácil para a Anatel explicar ao consumidor as vantagens de uma regra que, na prática, dificulta o acesso a um conteúdo de qualidade.
E isso vai acontecer com cada vez mais frequência, sempre que o Estado decidir legislar sobre setores que, por natureza, precisam de liberdade para empreender e inovar. É preciso que as empresas atuem orientadas pelas preferências dos clientes, não para atingir regulações ineficazes e ultrapassadas.
Com a justificativa de limitar o poder de mercado e de fomentar "conteúdo e cultura nacionais", o que os marcos legais acabam fazendo é impedir a concorrência e privilegiar os grandes oligopólios nacionais e grupos de interesse audiovisual – que dominam o setor desde a época da extinta Embrafilme.
O consumidor nunca foi tão bem informado para tomar as decisões por si próprio quanto agora. Basta que o Estado saia do caminho.
Vladimir Fernandes Maciel, coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica e doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas.