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Não é à toa que o bordão “É a economia, estúpido!”, cunhado pelo estrategista do ex-presidente Bill Clinton, James Carville, virou uma regra de proporções mundiais. Essa foi uma de suas três metas que elegeram o presidente Clinton e firmou-se como foco fundamental da campanha eleitoral de 1992. O que ele não imaginava era que tal visão estaria presente praticamente em todas as nações democráticas e que, a cada dia, as campanhas e os governos passariam a enxergar a economia e a percepção da economia como algo fundamental para a sobrevivência de governos e, consequentemente, no tocante à possibilidade de suas reeleições.
Como não vivemos em um mundo paralelo, o Brasil de 2022 vive o mesmo dilema. Assistimos dia a dia a uma campanha polarizada, na qual dificilmente uma terceira via poderá assumir um papel de protagonista. Seja pela direita ou pela esquerda, há de fato uma disputa entre modelos de governo, entre projetos, entre visões de mundo e de como o Brasil deve se posicionar a partir de 2023 em diante.
Historicamente falando, a economia se torna sempre um pêndulo, nem sempre fatal, mas com peso significativo ao ponto de mudar o humor de corações e mentes para um lado ou para outro. Vale ressaltar que o Brasil, apesar de viver hoje um debate histórico e aberto, entre direita e esquerda, tem no fundo de suas raízes o pragmatismo dos Estados Unidos de 1992; ou seja, uma nação com economia em crescimento tende a reeleger projetos políticos, e quando esse projeto está em decadência, tende a rejeitá-lo. Não foi por acaso a vitória de Fernando Henrique Cardoso em primeiro turno, com 54% dos votos válidos, em 1994, principalmente por conta do fim da hiperinflação e pela articulação do Plano Real.
Agora, estranhamente, estamos vivendo um momento em que não há uma visão clara sobre os rumos da economia. Não são fatores unicamente internos que contribuem para definir o rumo da eleição de 2022. De fato, a economia brasileira sobre interferência das consequências econômicas causadas pela pandemia e principalmente dos efeitos da guerra na Ucrânia, gerando reflexos, enfim, inclusive no aumento do preço do combustível que alavanca outros ajustes negativos à sociedade. Esses efeitos se apresentam no Brasil de maneira bastante diversa e ao mesmo tempo são contraditórios em alguns aspectos e setores, mas como isso de fato poderá afetar nossas eleições já bem próximas de ocorrerem?
A percepção de como a economia está, para onde ela está indo e como o bolso de cada pessoa está sendo afetado é que devem se tornar o norte para definir nossos votos no pleito que se aproxima
Em primeiro lugar está a inflação, que, de fato, é o maior problema da economia brasileira hoje, superando os 11,73% nos últimos 12 meses. Além disso, ainda existem dois vilões, o valor do barril de petróleo e seus reajustes muitas vezes quinzenais que elevam o preço da gasolina e do diesel impactando negativamente toda nossa cadeia produtiva. Esse ponto é o mais sensível para governos de plantão, pois a inflação é sentida no bolso de todas as classes sociais e impacta direta e cruelmente todos os negócios. De maneira simétrica, nossa taxa de juros saiu de pouco mais de 2% ao ano para 12,75% justamente para combater a inflação, o que de fato é uma política monetária acertada e que mostra sinais de funcionamento, desacelerando em junho, o nível de crescimento do IPCA nos últimos 12 meses. Entretanto, politicamente isso é ruim, pois desacelera a economia, compromete e encarece o crédito e diminui o ritmo de investimento das empresas.
Por outro lado, quando analisamos as exportações brasileiras, vemos que nunca estiveram tão bem. Mês após mês nossa balança comercial registra recordes de exportação nos mais diversos setores, desde alimentos como soja, proteína animal e minérios, como ferro e níquel. Esse efeito foi tão forte que em maio deste ano a entrada de dólares no Brasil foi tão intensa que despencou a cotação do dólar para R$ 4,70. Outro ponto importante é que o aumento do preço das commodities internacionais, aliado às sanções econômicas contra a Rússia, colocaram as exportações brasileiras em um maior patamar de valor e de quantidades exportadas. Esse foi um dos efeitos importantes que mudou a visão das consultorias econômicas que, no final de 2021 e início deste ano, enxergavam o Brasil de 2022 com crescimento zero do PIB ou até mesmo em recessão e hoje já avaliam com um nível de crescimento entre 1 e 2%, o que não deixa de ter relevante importância para o momento.
Outro ponto fundamental, e que não pode ser esquecido, é o nível de desemprego, que após o final dos lockdowns chegou a 14% da população economicamente ativa e, nos últimos dias, saiu dos dois dígitos chegando a 9,8% em poucos meses, o que de fato mostra sinais reais de retomada econômica. Vale lembrar que, devido aos altos custos trabalhistas no Brasil, o nível de empregabilidade formal é um bom termômetro para analisar como os empresários e os mercados enxergam o futuro da economia. Um ponto claro é que as contínuas pesquisas no nível de desemprego são uma boa notícia para governos incumbentes.
Estes são alguns fatores econômicos que em momentos normais possuíam um alinhamento mais claro, seja para análise de dados bons ou dados ruins. Contudo, não vivemos tempos comuns. Vivemos um período de guerra internacional, de conflitos geopolíticos, de quebra de cadeias produtivas, de regionalização e de eleições internas. Há uma clara evidência de que os sinais econômicos são dúbios e a frase “É a economia, estúpido!” por mais que de fato ainda esteja correta, no caso brasileiro de junho de 2022 ela não é totalmente clara. Nos próximos meses deverá se iniciar um conjunto de medidas econômicas para amenizar a inflação, desde redução de impostos até subsídios de setores, o que novamente deve alterar a percepção da população sobre a nossa economia, seja para um lado ou para o outro.
Neste contexto, o ponto principal é que com sinais tão diversos, e em relação a efeitos econômicos bons e ruins ao mesmo tempo ocorrendo em nosso país é muito difícil inferir como esses dados irão afetar no resultado eleitoral, seja para a esquerda ou para a direita. O fato é que, neste cenário, a “percepção” de como a economia está, para onde ela está indo e como o bolso de cada pessoa está sendo afetado é que devem se tornar o norte para definir nossos votos no pleito que se aproxima, seja pela continuidade ou pela mudança no governo de nosso país.
Vale ressaltar ainda que os acontecimentos políticos e geopolíticos estão ocorrendo de maneira tão rápida que, no momento que esse artigo tiver sido publicado, esses indicadores econômicos podem já estar bastante alterados. Vide que os aumentos de gastos públicos, recentemente anunciados, já elevaram a cotação do Dólar para acima dos R$ 5. A única afirmação correta, hoje, sobre a economia brasileira é de que a volatilidade será nossa fiel companheira, pelo menos até o final deste ano de 2022.
Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política.