De acordo com o índice de percepção da corrupção (IPC), publicado pela Transparência Internacional em 2019, o Brasil alcançou seu patamar negativo histórico, com apenas 35 pontos (do total de 100 possíveis). Isso significa, segundo essa estatística, que o país é considerado mais corrupto do que em 2014, quando atingiu sua melhor performance, com 43 pontos. Um dos motivos da regressão pode ser explicado porque a bandeira do combate à corrupção tem sido arduamente defendida no campo da repressão, e ablegada a prevenção a um segundo plano.
Na repressão tivemos incontestáveis avanços. Foram centenas de investigações criminais de grande porte que, a exemplo da Operação Lava Jato, desvelaram esquemas de corrupção com envolvimento de políticos e, inclusive, com reflexos internacionais. Além disso, novas estruturas institucionais com a atribuição de “anticorrupção” foram criadas em órgãos públicos, o que fomentou o aumento do número de servidores especializados no assunto. As autoridades brasileiras têm trabalhado para responsabilizar, reprimir e recuperar ativos da corrupção. Se por um lado a repressão conta com um conjunto de mecanismos estruturados, por outro a prevenção ainda é tratada com esquecimento.
Prevenção e repressão são duas faces de uma mesma moeda, por conseguinte, reprimir sem fomentar integridade é como “secar gelo”, um trabalho contínuo com resultado com baixo impacto. É o mesmo que deixar uma doença, que pode ser curada ou controlada, consumir um paciente para tratá-lo apenas no futuro, quando chegar a um estado de saúde crítico, degradante, terminal. Essa comparação com a saúde serve para enfatizar que a profilaxia é fundamental para evitar o colapso do corpo humano, no caso de doenças, da mesma forma, também é indispensável para evitar o colapso das estruturas do Estado, no caso da instalação da corrupção. Medidas de prevenção devem e precisam incluir a participação da população, e, com a sociedade civil, prefeituras e municípios criar maior transparência, fomentar o comportamento ético e, acima de tudo, a educação e uma cultura anticorrupção.
A Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (Uncac), ao tratar das medidas preventivas, já menciona a importância de se fomentar a intolerância à corrupção, por meio de atividades de informação pública e programas de educação pública, incluindo currículos na matriz escolar e universitária. De fato, a efetividade da participação social depende não apenas da disponibilidade da informação relevante, como também de pessoas que tenham informação com um nível adequado de educação para compreendê-la e interpretá-la. Não é segredo que a construção de valores éticos e morais em uma sociedade depende sobretudo da educação de base.
A educação tem um papel fundamental no sucesso para o combate à corrupção. E aqui não nos referimos apenas às instituições de ensino, mas também ao processo de desenvolvimento pessoal das crianças e jovens. Desde tenra idade, as crianças devem ser expostas a situações nas quais possam internalizar o sentido de bem comum e defesa da cidadania. O estímulo é o grande diferencial para que a percepção dos valores morais e que a cidadania possa aflorar e ser gradativamente compreendida, testada, avaliada e aprimorada durante as situações e contextos da vida.
A sociedade precisa ter consciência de que a cadeia da corrupção só pode ser rompida com a educação. De nada adianta os pais criticarem políticos e servidores corruptos, se ao mesmo tempo disseminam a cultura da vantagem e do jeitinho, mostrando aos filhos que esse mau exemplo é a atitude certa a ser copiada e seguida. É preciso educar a população, da base às universidades, contar com o apoio de estados e municípios, além de uma comunicação eficaz com a matriz educacional das escolas e faculdades privadas. São necessárias também políticas públicas de longo prazo, campanhas de conscientização e, acima de tudo, formação consistente de verdadeiros cidadãos.
O Brasil investe 6% de seu PIB na educação, o que não é pouco, porém os resultados são pífios segundo os dados do Pisa sobre a educação fundamental. A educação pública não prepara os jovens e não lhes concede formação e cultura suficientes para que sejam incluídos e competitivos no mercado de trabalho globalizado. Nesse cenário, falar de educação ética é quase uma utopia quando sequer atingimos o patamar mínimo da educação para a cidadania.
Apesar dos resultados negativos do índice divulgado pela Transparência Internacional, o povo brasileiro segue intolerante contra a corrupção, a mídia apoia e reverbera ações brasileiras no tocante à repressão e, em geral se acredita no combate, porém é preciso mais. Repensar com seriedade a questão da educação e preparar as novas gerações para concretizar valores éticos favorecerão a construção de sociedades mais íntegras. Precisamos praticar com urgência a educação para a integridade e com isso equacionar o combate à corrupção. Nesse caso, segue válido o ditado popular, segundo o qual é melhor prevenir do que remediar.
Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP, presidente da comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB-SP – subseção do Butantã. Priscila de Castro Busnello é delegada federal, doutora e mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP, com estudos na área de combate à corrupção.