Existe ensino fraco. Existe criança inteligente. Existe superdotado. Existe alunos com dupla excepcionalidade, conhecidos como “2e” (twice-exceptional), quando existe superdotação e transtorno concomitantemente. As quatro condições podem existir no mesmo ambiente e não devem ser confundidas.
A diversidade nas salas de aula é uma realidade que traz à tona a complexidade da educação contemporânea. Entre os desafios enfrentados está a distinção entre diferentes tipos de alunos e suas necessidades específicas: alunos inteligentes em escolas fracas, alunos superdotados ou 2e em escolas fortes, mas sem suporte. Entender essas diferenças é crucial para lhes proporcionar uma educação adequada e inclusiva.
Superdotação é uma neurodivergencia e é muito diferente de aluno inteligente em escola fraca. Cada caso é um caso. Primeiro de tudo, é preciso definir uma escola forte ou fraca. Uma escola forte é aquela que aprova mais alunos no Vestibular ou que envia mais estudantes para faculdades fora do Brasil? É aquela cujos alunos ganham mais Olimpíadas de Matemática ou campeonatos esportivos, falam mais idiomas fluentemente, são mais ativos socialmente ou se tornam profissionais reconhecidos após se formarem?
Depois, é necessário analisar as condições dos alunos. Existe o aluno que, apesar de estar em uma escola de ensino mais fraco, se sobressai rapidamente, por entender a dinâmica do processo e o sistema de avaliações. Ele percebe o esquema do professor e da escola e se ajusta para atender àquele processo e ser aprovado, mesmo que o assunto não seja do seu interesse. E há o superdotado, que por apresentar neurodivergência comprovada pela neurociência, é caracterizado pela sua forma diferente de aprender e por diferenças emocionais, cognitivas e intelectuais. Esse aluno vivencia e responde ao mundo de maneira qualitativamente diferente, com capacidades cognitivas aceleradas que podem levar a um desenvolvimento desigual. Isso confirma que a superdotação está dentro de um espectro, com distribuição de diferentes níveis, tipos, características e graus de intensidade.
O sistema educacional foi desenvolvido para alunos neurotípicos, com infraestrutura e recurso materiais padronizados, colocando em sofrimento o aluno superdotado que tem a capacidade de aprender de forma rápida, exigindo menos repetições e demandando conhecimentos diferentes de maneiras distintas.
O psicólogo e professor americano Matt Zacreski, que trabalha com público neurodivergente, afirma que “as melhores práticas para educação de superdotados são as melhores práticas da escola”. Ou seja, elas já existem e as escolas precisam se apropriar delas nivelando os alunos por meio delas. Por exemplo, se temos uma sala de aula com 10 alunos onde dois são superdotados, a escola precisa criar a infraestrutura, disponibilizar os recursos materiais, capacitar, treinar e orientar os profissionais que acompanharão aquela turma para atender os dois alunos superdotados. E os demais oito alunos? Pode ter certeza de que todos se beneficiarão deste investimento.
Isso é o nivelamento educacional por cima. Nem todos atingirão os mesmos resultados no mesmo tempo mas as oportunidades, as estratégias e os recursos estão lá à mãos de todos os alunos. O problema é que as escolas nivelam por baixo. O aluno com mais capacidade de aprender se vê obrigado a repetir o mesmo exercício diversas vezes ou na espera solitária até o que último da turma tenha executado e aprendido. Reconhecer e valorizar essas diferenças no processo de ensino-aprendizagem é fundamental para proporcionar um ambiente que estimule o potencial dos superdotados, promovendo um crescimento equilibrado e satisfatório.
Adentramos em uma questão delicada sobre a formação do professor, especialmente o da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental. Foi-se o tempo em que o único estudo superior que uma mulher poderia ter era o magistério ou normal superior. Debora Ruf defende que as mulheres devem cada vez mais executarem novas profissões e obterem os mais altos níveis na hierarquia profissional, mas isso não significa que fiquem na Pedagogia, mulheres que não queiram estudar muito e que recebem salários baixos por esta atividade.
Quando temos uma doença desafiadora, procuramos um médico especialista que estudou a complexidade e as especificidades daquela doença por anos, investiu altos recursos financeiros e de tempo, que se dedicou em pesquisa, participou de grupos científicos e redigiu artigos científicos. O paciente que contrata este profissional o faz pela criticidade da doença e do período da vida pelo qual passa e paga preço alto pelo contrato.
Ora, a infância é também uma fase crítica da vida. A criança é dependente por sua natureza e características próprias da idade e leva anos para aprender a executar de forma independente tarefas que depois se automatizam para o resto da vida. A criança precisa aprender os horários de dormir, a desfraldar, a se alimentar de forma saudável, se higienizar, a escrever, ler e cozinhar, isso para citar apenas algumas atividades que crianças maiores e pré-adolescentes podem executar de forma independente.
Não deveriam então os profissionais que trabalham no processo de ensino-aprendizagem nesta fase da vida, tão crítica e cheia de especificidades de dependência passar por um processo de formação difícil, intenso e complexo e receberem altos salários por seu trabalho? Não deveria o jovem escolher a Pedagogia não pela facilidade de passar no vestibular, pelo custo baixo de mensalidade e aquisição de livros e pela rapidez de entrar no mercado de trabalho, mas pelo amor à ciência, ao desenvolvimento educacional e à formação na infância?
Nossas crianças passam um terço do dia ou metade do dia com os professores. Quantas famílias por suas necessidades familiares e profissionais não deixam seus filhos à escola às 7h e os encontram de volta às 19h para compartilhar com eles duas ou três horas até que durmam? Quanta responsabilidade e compromisso compartilhados com os professores. A renda do professor de educação infantil não deveria ser a mesma do pediatra?
A superdotação, frequentemente associada a uma habilidade intelectual excepcional, é rodeada por uma série de mitos que podem distorcer a compreensão sobre o desempenho acadêmico desses indivíduos. Um dos equívocos mais comuns é a crença de que todos os superdotados terão automaticamente um desempenho acadêmico brilhante em todas as disciplinas. Embora muitos superdotados possam demonstrar domínio extraordinário em áreas específicas e tenham a capacidade de aprender rápido, outros enfrentam desafios como desmotivação, tédio e dificuldades sociais que podem impactar negativamente suas notas. Além disso, o mito de que superdotação é sinônimo de sucesso acadêmico e talento ignora a necessidade de suporte emocional e pedagógico adequado, essencial para que esses estudantes possam alcançar seu pleno potencial. Desmistificar essas crenças é crucial para criar ambientes educacionais que reconheçam e atendam às necessidades diversas e complexas dos superdotados.
Compreender o funcionamento do cérebro de um aluno superdotado e seus estilos de aprendizagem é essencial para apoiar de maneira eficaz seu desenvolvimento acadêmico e emocional. Por apresentar uma maior conectividade neural e uma atividade cerebral mais intensa em áreas relacionadas ao pensamento crítico e à criatividade, seu perfil neurológico resulta em estilos de aprendizagem atípicos, caracterizados por uma capacidade de absorção de informações mais rápida, uma curiosidade insaciável e uma preferência por tarefas desafiadoras e complexas. No entanto, a superdotação também pode vir acompanhada de uma sensibilidade emocional aumentada e uma tendência ao perfeccionismo, o que pode exigir abordagens pedagógicas personalizadas.
Contrariando a crença comum, alunos superdotados nem sempre obtêm as melhores notas. A história está repleta de exemplos de gênios que não tiveram currículo acadêmico exemplar. Thomas Edison era um estudante problemático; Albert Einstein era fraco em história e geografia; Benjamin Franklin não concluiu o ensino médio, e figuras contemporâneas como Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg abandonaram a faculdade. Ao ignorar as necessidades específicas dos alunos superdotados, corremos o risco de lhes criar aversão ao ensino.
Atualmente, há muita desinformação sobre crianças superdotadas, mas há, também, movimentos de famílias e profissionais que estão colocando nas mãos de outras famílias, professores e formuladores de políticas, informações contemporâneas significativas sobre essa condição. Matt Zacreski afirma que após o covid-19 passamos de “muitos terapeutas e pouca consciência para muita consciência e poucos terapeutas”. Façamos uma analogia com o atual cenário de superdotação, em que OMS sugere que de 3 a 5% da população é superdotada e há o crescente movimento de famílias buscando mais informação sobre a condição neuroatípica e a neurodivergência dos seus filhos. Logo chegaremos ao ponto de termos mais consciência da superdotação e poucos educadores lhes prestando adequado suporte.
Os adultos responsáveis – e neste grupo se incluem os pais, cuidadores, professores do ensino regular e das atividades extracurriculares, coordenadores educacionais, diretores da escola– devem entender o funcionamento dos cérebros dos superdotados para que consigam atingir suas acomodações acadêmicas.
Dentre os direitos do aluno superdotados, temos a aceleração de série, por exemplo. Essa estratégia permite que o aluno avance diretamente para a próxima etapa de ensino, pulando uma série completa. Por exemplo, um estudante pode avançar do 3º para o 5º ano, para reduzir, ou prevenir, o sofrimento com a repetição de conteúdo.
Há também a questão da aceleração de disciplina. Nesse caso, o aluno avança para um nível mais avançado em uma disciplina específica, enquanto permanece na série correspondente nas demais matérias. Essa flexibilidade curricular permite que o estudante seja desafiado em áreas onde demonstra mais capacidade de aprendizagem.
Outro direito é o do currículo compactado, que consiste em condensar o conteúdo curricular para que o aluno possa progredir mais rapidamente, completando o material em um período de tempo reduzido. Já o Atendimento Educacional Especializado (AEE) refere-se ao suporte e às estratégias pedagógicas destinadas a atender às necessidades específicas de alunos superdotados, com o objetivo de criar um ambiente educacional que permita o pleno desenvolvimento de seu potencial. Esse serviço é complementar à escolarização regular e é realizado em salas de aula comuns.
E temos também o Plano Educacional Individualizado (PEI). Como um dos componentes do Atendimento Educacional Especializado (AEE), o PEI é um documento elaborado por uma equipe multidisciplinar, composta por educadores, pais e especialistas e define os objetivos educacionais específicos, estratégias de ensino, adaptações e os recursos necessários para garantir um ambiente de aprendizagem adequado e eficaz para apoiar o aluno superdotado, adaptando o currículo e as metodologias de ensino às suas necessidades. O PEI precisa ser revisado e atualizado regularmente para garantir que as metas educacionais do aluno sejam atingidas de maneira contínua e ajustada ao seu progresso. Caso necessário, a equipe pode modificar as estratégias com base em observações feitas em sala de aula e na interação do estudante com a comunidade escolar.
Cada aluno possui características e necessidades educacionais distintas, exigindo uma abordagem personalizada em sua educação. O princípio de que "cada caso é um caso" deve orientar educadores e responsáveis a analisarem cada estudante sob diversas perspectivas. Somente dessa forma será possível assegurar que cada indivíduo tenha a oportunidade de desenvolver plenamente seu potencial.
A educação enfrenta um grande desafio, mas com compreensão e adaptação, é possível transformar a experiência de aprendizado para todos os alunos, especialmente para os superdotados e aqueles com dupla excepcionalidade. É momento de reconhecer as individualidades e construir um ambiente educacional que respeite e celebre a diversidade cognitiva e emocional de cada estudante.
Convidamos você a se dedicar a olhar para a individualidade. Na dúvida, busque um profissional especializado em superdotação e não vendedores de desempenho na internet.
Carla Brolezzi, mãe de superdotado, analista de dados e processos; Lana Liz Mendes, mãe de dois superdotados, arquiteta; e Lílian Schreiner-Módolo, mãe de superdotado, pesquisadora cientista, escritora e designer. Elas são, respectivamente, presidente, coordenadora e vice-presidente da Associação Superdotação no Mapa.
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