Ocorrências de trânsito refletem um conjunto de fatores estruturais da realidade social, que incluem a prioridade concedida aos automóveis nas vias públicas e a total ausência de investimentos
A Organização das Nações Unidas (ONU), em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), instituiu o período de 2011 a 2020 como a "Década de Ações para a Segurança no Trânsito". A ação envolve 150 países num esforço conjunto para a redução dos acidentes de trânsito, um problema que afeta todas as nações do mundo e que cresce vertiginosamente.
As estatísticas mundiais indicam o tamanho dos desafios que governos e sociedades têm pela frente. Segundo estudos do Conselho Nacional dos Municípios (CNM), a média brasileira de óbitos causados por esses acidentes proporcionalmente à população é muito superior à dos países mais desenvolvidos (2,5 maior que a dos EUA e 3,7 maior do que na União Europeia).
Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) mostram que houve aumento de 30% nas mortes em acidente de trânsito entre 2000 e 2007 no Brasil. Só em 2007 foram 66,8 mil óbitos, fato que colocou o país no triste ranking dos países com mais mortes no trânsito no mundo.
Nós, gestores do automobilismo nacional, habituados a conviver com os riscos inerentes à alta velocidade nos surpreendemos com o recrudescimento do número de acidentes fatais provocados por imprudência e irresponsabilidade dos motoristas nas vias urbanas e nas estradas brasileiras. O que choca, ainda mais, é a comprovação de que as maiores vítimas de acidentes fatais são jovens, na faixa de 20 a 39 anos.
Estima-se que 20% das vítimas carregam sequelas para o resto de suas vidas e 4% não sobrevivem. Acidente de trânsito é o procedimento mais custoso ao SUS ultrapassa R$ 113 milhões anuais. O prejuízo não para aí: milhares são aposentados por invalidez, há os custos de conservação das vias e os altos investimentos para atender aos que foram atingidos pela tragédia e sobreviveram.
Ocorrências de trânsito refletem um conjunto de fatores estruturais da realidade social, que incluem a prioridade concedida aos automóveis nas vias públicas; a total ausência de investimentos, nos últimos 10 anos, por parte do governo federal em manutenção e segurança nas estradas; a falta de um banco de dados relativo aos acidentes de trânsito principal entrave ao desenvolvimento de estratégias adequadas para combater o problema; entre outros.
Há uma luz no fim do túnel quando constatamos que, a partir de 2008, com os efeitos positivos da Lei 11.705/08 que ampliou as penas para condutores alcoolizados ou que fizeram uso de outras substâncias psicoativas e instituiu a Operação Lei Seca (sob gestão dos governos estaduais) houve queda nos índices de acidentes fatais.
Os efeitos dessas operações se refletem, por exemplo, na redução do número de atendimentos a vítimas do trânsito no Rio de Janeiro, nos hospitais Lourenço Jorge (Barra da Tijuca) e Miguel Couto (Gávea), áreas onde historicamente ocorrem mais acidentes envolvendo jovens alcoolizados na cidade.
A Confederação Brasileira de Automobilismo, entidade máxima do esporte no Brasil influenciada pelo forte engajamento do presidente da FIA, Jean Todt, na campanha mundial capitaneada pela ONU e ciente de sua responsabilidade social criou uma campanha nacional de educação no trânsito, estrelada por alguns dos pilotos mais respeitados do Brasil e focada na conscientização dos jovens sobre os riscos da velocidade quando não associada a procedimentos de segurança mínimos.
Esperamos que o nosso exemplo seja seguido por outras federações desportivas, entidades governamentais e não governamentais e pela sociedade brasileira de maneira geral. As dezenas de manchetes de jornais que estampam anualmente imagens de carros destruídos, jovens mortos e pais desesperados nos chamam não só à reflexão, mas também à ação.
Cleyton Pinteiro, economista, é presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo.
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