No fim de 2019, um “inimigo invisível” surgiu: o novo coronavírus (Sars-CoV-2), identificado em Wuhan, na China, e que causa a Covid-19, disseminada e transmitida pessoa a pessoa. Enquanto as notícias estavam localizadas no Oriente e, posteriormente, no Ocidente, o otimismo (para não dizer a indiferença) brasileiro se manteve e suas festividades anuais continuaram, como se nada pudesse afetar o nosso país-continente. Entretanto, entre 9 e 21 de fevereiro de 2020, um homem residente na capital paulista havia feito uma viagem para a Itália; no retorno, apresentando problemas respiratórios, procurou um serviço de saúde e após inúmeros exames, foi constatada a infecção pela Covid-19. Em seguida, outras 30 pessoas foram colocadas em observação.
Assim, quando as mídias televisivas deram a notícia do primeiro caso de falecimento, o otimismo e a indiferença foram dando lugar à insegurança e ao medo. Em 12 de março de 2020, a vítima de 57 anos foi internada no Hospital Municipal Doutor Carmino Cariccio, na cidade de São Paulo, um dia antes de falecer em decorrência da doença. Atualmente, já são mais de 150 mil mortes pela doença desde o início da pandemia, com 5,2 milhões de casos confirmados da infecção.
Para a educação, a data de 20 de março de 2020 entrará para a história. Em nenhum outro momento observaríamos todas as nossas certezas serem diluídas e o “reinventar-se” deixando de ser um discurso pedagógico e se transformando em realidade concreta. Nos momentos mais desafiadores que todos os seres humanos enfrentam, seja em situações inusitadas ou em aspectos do nosso cotidiano, buscam-se saídas para enfrentar as dificuldades. Assim foi o ano de 2020 para todos os professores, alunos e profissionais da educação que tiveram de lidar com as circunstâncias mais inusitadas de suas carreiras, pois nunca poderíamos pensar em uma escola em que a interação fosse inexistente. Assim, o isolamento social substituiu o convívio e o estudo remoto substituiu a interação.
Nesse cenário, competências socioemocionais têm sido ainda mais importantes para gestores, professores e alunos atravessarem esse período e pensarem em soluções alternativas para o processo de aprendizagem. As competências socioemocionais podem ser definidas como as capacidades individuais quese manifestam nos modos de pensar,sentir e nos comportamentos ou atitudes dos seres humanos. Essas competências estão ligadas às interações consigo mesmoe com os outros, e na forma como mantemos o equilíbrio para tomar decisões e enfrentar situações adversas ou novas. O Instituto Ayrton Senna, em parceria com a Consed, elencou as macrocompetências que mais se destacaram no período da pandemia: autogestão; engajamento com os outros; amabilidade; resiliência emocional; e abertura ao novo.
Contudo, antes de analisar o ano de 2020 faz-se necessário observar, mesmo que de forma superficial, o que era a educação até esta fatídica data. Grosso modo, se pensarmos em termos históricos, mesmo com o aparecimento de inúmeras tendências pedagógicas, a escola manteve-se de forma tradicional. Em outras palavras, ao longo do século 20, o conceito de educação sofreu muitas alterações devido à adequação às demandas sociais por parte dos sistemas educacionais. Entretanto, como aponta Marina Subirats, “a educação continua tendo um forte componente artesanal principalmente devido ao produto da educação ainda ser escassamente planejado”. Mesmo que questionamentos sejam frequentemente traçados (de quais conhecimentos necessitam as novas gerações? De quais atitudes e valores? O que é preciso transmitir para que ocorra o alcance entre ser e conhecer?), ocasionalmente são levados em conta para a elaboração de currículos e na aplicação nas salas de aula.
Essa análise denota uma situação educacional generalizada, uma dificuldade intrínseca que acompanha todos os profissionais da educação desde sua formação. Todavia, a partir de 2020 a finalidade da educação parece ter ficado cada vez mais clara. “Mais do que transmitir conhecimentos, a educação deve formar indivíduos capazes de manejar e buscar por sua conta os conhecimentos que lhe são necessários”, continua a autora. Assim, conceitos antes discutidos como autonomia, responsabilidade, empatia e capacidade de aprender tornaram-se necessários e sua falta se mostra evidente. Então fica a pergunta: Será realmente necessária uma pandemia para entendermos qual é o significado real de educar?
A ideia de uma educação menos epistêmica não exclui o conhecimento, pois é evidente a necessidade de certo repertório cultural e informacional para que o ser humano se relacione de forma consciente no mundo. Entretanto, em 2020 as capacidades socioemocionais ganharam mais evidência. No que concerne à educação, na atualidade o mais importante está na forma de lidar com os conhecimentos do mundo, ou seja, a relação que o ser humano tem com aquilo que aprendeu ou está aprendendo. Assim, os aspectos socioemocionais devem ser igualmente valorizados, em conjunto com as questões cognitivas sempre supervalorizadas.
Deste modo, o ano de 2020 marcou a vida de gestores, professores, estudantes e famílias que tiveram de se reorganizar e desenvolver a capacidade de autogestão, com determinação e responsabilidade diante dos desafios propostos. Suas certezas foram questionadas e o engajamento com outro que até então era algo existente, mas oculto, ganhou força, junto com a amabilidade nas relações, necessitando de empatia, respeito e confiança.
Diante desse mundo conturbado, de inúmeras dificuldades cotidianas, indivíduos que desenvolvem resiliência emocional conseguem lidar com situações adversas com tranquilidade e positividade. Por fim, abertura ao novo é a disposição a ser aberto a novas experiências. O indivíduo aberto a novidades tem atitude investigativa, é curioso sobre o mundo, flexível e receptivo a diferentes ideias.
A pandemia confirmou que precisamos de uma educação humanizada, que não se limita a fornecer um serviço de formação, mas está atenta aos seus resultados no quadro geral das capacidades pessoais, morais e sociais dos partícipes do processo educativo; uma educação que não pede simplesmente ao professor para ensinar e ao aluno para aprender, mas exorta cada um a viver, estudar e agir por meio de premissas humanas.
Rafael Lima, historiador e pedagogo, é especialista em Literatura e História Nacional, Gestão Pedagógica e Orientação Educacional, CEO da empresa Educar sem Fronteiras e assessor pedagógico do Sagrado Rede de Educação na Região Sul.
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