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A medida da civilização se dá pelo binômio educação e certeza do cumprimento da pena. A educação prepara para o básico: “por favor”, “com licença”, “muito obrigado”, e a certeza no cumprimento da pena segura o ímpeto indisciplinado do ser humano. Onde há solidez nos princípios de educação e certeza de que se você transgredir irá cumprir a pena, certamente vicejará a civilização.

Preocupa-me por exemplo a edição da Lei n.º 10.048, em 08 de novembro de 2000, que diz em seu art. 1.º: “As pessoas com deficiência, os idosos com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, as gestantes, as lactantes, as pessoas com crianças de colo e os obesos terão atendimento prioritário, nos termos desta Lei.” Ora, isso tem de estar escrito em lei federal? Convenhamos, de há muito ninguém que usa o transporte público vê um jovem levantar para um idoso ou uma gestante sentar, a nossa falta de civilidade, de educação básica, vai a níveis alarmantes, sendo a edição dessa lei uma prova inequívoca de que nossas famílias, nossos educadores, estão falhando.

Já quanto a certeza no cumprimento da pena, apesar da péssima percepção da população quanto a Corte Constitucional, os juízes de primeiro grau têm lavado a alma dos brasileiros, encarcerando figuras públicas e empresários que sequer algum dia poderiam imaginar como seria uma cadeia por dentro. Estamos melhorando.

A questão aqui é, vencida a necessidade de exercitar com vigor o básico “por favor”, “com licença”, “muito obrigado”, você deve observar com atenção e respeito o seu dinheiro. Se você descuidar disso, terá problemas, e sérios.

Onde há solidez nos princípios de educação e certeza de que se você transgredir irá cumprir a pena, certamente vicejará a civilização

Você tem de lembrar com afinco que o cartão de crédito tem uma fatura a ser paga, que teimosamente chega todo mês e que – principalmente – o limite do cheque especial não é seu dinheiro, mas do banco e que deverá mais dia menos dia ser devolvido. Aliás, seja em um ou outro caso, você pagará juros que fariam corar Shylock, o agiota que cobra Antonio em O Mercador de Veneza de Shakespeare.

Então, o tema educação financeira consiste primordialmente em respirar. Sim, respirar profundamente e pensar em quando comprar alguma coisa não analisar apenas se o PMT, se a prestação, cabe em sua receita, mas substancialmente se você precisa realmente do que está comprando e ainda se tiver uma crise de soluços no futuro e perder o emprego como pode ficar sua situação.

Mas você já comprou, e comprou por impulso. Cuidado com o desastre. Esse desastre se avizinha quando o gentil gerente de sua agência bancária lhe oferece, com razão, mas perigosamente para você, um “swap” de taxas. Você deve no cartão de crédito e está totalmente tomado no cheque especial e antes de avaliar se você vai morrer afogado em 20 metros ou 2 metros de água, o gentil gerente lhe diz: vamos tomar um empréstimo pessoal, ou até mesmo um convidativo empréstimo consignado, que deveria ter as melhores taxas de juros do mercado. Você que estava pagando juros de mais de 12% ao mês tem em sua frente um novo empréstimo com juros “civilizados” de 3,5% ao mês (em boa hipótese) e prazo de 36 meses para pagamento.

Sua situação está resolvida. Vai conseguir pagar o parcelamento e se livrar de juros extorsivos de 12% ao mês para juros de 3,5% ao mês (o que é claro quanto a taxa básica SELIC está em 6,5% ao ano), pagando uma parcela que cabe em seu orçamento.

Leia também: Como recuperar empresas em crise? (artigo de Mara Denise Wilhelm, publicado em 15 de maio de 2018)

Leia também: Shadow Banking: porque ser um banco pode ser a sua derrota (artigo de Piero Contezini, publicado em 19 de maio de 2018)

Só que não é bem assim. Você resolveu seu problema com o banco, seu nome está limpo, não está mais nos órgãos de restrição cadastral e você está feliz de volta ao mercado de consumo, pois se antes a máxima de Descartes era “penso, logo existo”, hoje claramente é “consumo, logo existo”.

Aqui sua educação financeira, ou a falta dela, pode ser o divisor entre pular ao precipício ou manter-se vivo.

É que com as lojas e demais bancos lhe ofertando crédito (e não há porque criticar, pois o negócio deles é exatamente esse), você poderá “não resistir” e vir novamente a comprar e se endividar. A isso se dá o nome de sobre-endividamento. Pense bem, com 100% do que você recebia por mês já não conseguia pagar e se endividou, agora tendo que pagar o endividamento anterior e com menos salário em seu mês, dificilmente conseguirá novamente. Mas isso pode ficar pior.

O banco que lhe deu o crédito consignado está tranquilo, você recebe e imediatamente pelo desconto em folha ele recebe também. Claro, isso enquanto você continuar no emprego.

Trocar as dívidas por outra com juros mais baixos é um excelente negócio

Os outros bancos é que, não podendo lhe conceder crédito consignado (já que você está tomado com o limite de 35% de quanto recebe) é que lhe propõe renegociar as dívidas, com juros altos e ampliação do prazo, desde que você consiga a garantia de um filho ou mesmo um neto. No caso, muitas vezes estes “avalistas”, seu filho ou neto, sequer têm bens para que pudessem ser considerados como reais garantidores das dívidas, mas ficam assim mesmo colocados lá, no contrato.

O resultado é certo e desastroso, agora não apenas só você estará com problemas, mas seu filho ou neto vão também estar com os nomes sujos, o que para conseguir outro emprego ou até mesmo entrar no mercado de trabalho é também uma causa de dificuldade.

Trocar as dívidas por outra com juros mais baixos é um excelente negócio, desde que você não faça mais dívidas. Caso contrário, você pode criar um problemão até mesmo para sua família. A isso se chama disciplina e educação financeira. Então lembre-se: educação é a base de tudo, e é certo que sua pena, nesse caso, será cumprida nos órgãos de restrição cadastral, onde você ficará com o nome sujo enquanto não se libertar das grades dos empréstimos.

João Antônio Motta é advogado (PUC-RS), especialista em Obrigações e Contratos. É autor do livro Os Bancos no Banco dos Réus.
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