Por uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar

É lícito ao professor usar suas aulas para tentar obter a adesão dos alunos a determinada corrente política ou ideológica?

De acordo com a Constituição Federal, a resposta é negativa. A doutrinação em sala de aula ofende a liberdade de consciência do estudante; afronta o princípio da neutralidade política e ideológica do Estado; e ameaça o próprio regime democrático, na medida em que instrumentaliza o sistema de ensino com o objetivo de desequilibrar o jogo político em favor de um dos competidores.

Leia a opinião completa de Miguel Nagib, advogado, coordenador do Escola sem Partido.

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A vereadora Carla Pimentel tem feito fama apresentando projetos de lei anacrônicos, já superados historicamente e com fortes marcas de conservadorismo. Como não podia deixar de ser, sua mais nova "polêmica" prevê que se alterem os currículos escolares e que os mesmos não contenham os fatos políticos que movem a história da humanidade, o que ela, em sua proposta, classifica como "doutrinação política e ideológica".

Primeiro, a vereadora quis obrigar a leitura da Bíblia nas escolas. Agora, sua nova proposta tem igual teor preocupante: proibir que a História e as Ciências Sociais sejam ensinadas, nas escolas de Curitiba, a partir de uma perspectiva histórica. Ou seja, propõe que o ensino de História seja "desistoricizado". Bom, talvez vire um conto de fadas. Uma narrativa linear sem disputas de poder, sem vencidos nem vencedores, sem injustiças nem injustiçados, sem conflitos... sem "ideologia", diz ela.

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Essa proposta, ironicamente, é carregada de ideologia. Seria muito bom se, antes de fazer qualquer proposta, os nobres legisladores consultassem as leis educacionais do nosso país. Por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) estabelece que a educação deve ser inspirada "nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

O que esses princípios nos dizem? Que a educação das crianças e jovens deste país deve se constituir no aprendizado das ciências, no domínio da técnica e também na formação para o livre exercício da cidadania, da crítica, da consciência, e o direito a uma boa formação para o mundo do trabalho. O que exige o estudo da ciência, que, por sua vez, exige método e comprovação. E de que "mundo do trabalho" se trata? Trabalho que se dará numa sociedade dividida em classes, numa sociedade em que os direitos sociais, trabalhistas e civis há pouco tempo vem sendo construídos. Uma sociedade que se constituiu nas práticas do escravismo, do poder exercido pelas oligarquias, na violência, no patriarcado, no patrimonialismo.

Segundo o projeto, estes fatos não poderiam ser objeto de reflexão. As contradições não poderiam ser apontadas e toda a história não seria mais que "uma sucessão de acontecimentos fortuitos". E essa proposta nem sequer é original: a ditadura, ou melhor, todas as ditaduras já fizeram isso. Mas a roda da história não parou de girar.

Aliás, falando em patrimonialismo, essa proposta quer levar esse conceito às últimas consequências, ferindo a laicidade do Estado, cujas leis os ocupantes da Câmara deveriam defender e fazer respeitar. Ele fere a "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber". E quer ferir mortalmente o princípio da pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas.

A opção religiosa da parlamentar é da esfera privada. Mas a educação é regida por princípios de caráter público, e muito mais ainda na escola pública, que é de todos. A superação dos Estados teocráticos e a instituição da laicidade do Estado é uma conquista da modernidade e deu-se nos séculos 16 e 17. Essas propostas querem nos levar a um atraso de mais de 200 anos! Não podemos nos calar diante dessa e de outras ameaças obscurantistas e retrógradas.

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Janeslei Aparecida Albuquerque, professora da rede estadual do Paraná, é mestre em Educação, secretária de Formação Política-Sindical da APP-Sindicato, militante da Marcha Mundial das Mulheres e membro do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe/UFPR), representando a APP-Sindicato.

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