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Os franceses vão hoje às urnas, em eleição presidencial marcada pelo clamor da mudança que todos sabem impossível. Dez candidatos, dez programas e nenhuma solução. A crise é sistêmica e vai erodindo a Europa e a sua moeda comum, sem espaço para fórmulas nacionais alheias à governança comunitária e a decisões acordadas com Berlim. Caberá apenas ao novo presidente explicar aos franceses, insatisfeitos e irritados pelas agruras do tempo, por que não há opção à austeridade de feição germânica. A receita recessiva do Banco Central Europeu, que é a mesma do FMI e do Banco Mundial, é inevitável e continuará a viger sob o olhar atento de Angela Merkel, para quem salvar o euro é salvar a Europa.

Talvez tenha sido essa fatalidade a esvaziar a tradicional riqueza das campanhas presidencias francesas, com os candidatos debatendo sobre carteiras de motorista, transporte urbano e circulação de trens, como em uma simples eleição municipal. Nada de compromisso sobre as duras realidades macroeconômicas que afligem o Velho Continente, ou sobre o futuro da integração europeia, ou sobre a manutenção do que tem sido o eixo "Merkozy".

Para o virtual governo do socialista François Hollande que vem por aí, a ser apoiado no segundo turno pelas duas extremas – de conservadores a comunistas radicais, todos engajados contra as obrigações comunitárias e contra a União Europeia –, não deverá ser fácil. Até a fritura de Strauss-Kahn, o candidato natural dos socialistas, pulverizado no misterioso incidente no hotel em Nova York, tudo parecia mais simples: apesar de líder da esquerda, era ao mesmo tempo o confiável patrão do FMI, coisas de nosso confuso tempo. Hoje, os franceses têm pressa em virar a página. Com um Estado obsoleto, uma economia anêmica e sem perspectivas, crescimento estagnado e índices de desemprego elevados, o país ainda se ressente da responsabilidade de ter colocado em risco a União Europeia por birra ideológica, em 2005, ao repudiar seu tratado constitucional, no que parece ter sido o começo dos atropelos que se tem verificado.

Com os candidatos majoritários Sarkozy e Hollande em igualdade técnica, será o xadrez do segundo turno a determinar o resultado final, já em 6 de maio, sem tempo para grandes alterações. As enquetes e a voz das ruas indicam vitória fácil de Hollande, substituto de Strauss-Kahn e que dele recebeu em espólio inclusive o homem forte da campanha, Manuel Walls, direto do FMI para um governo socialista que se espera anti-FMI. Afinal, o insólito e o burlesco não são raros na política francesa: em 1920, por exemplo, Paul Deschanel enlouqueceu em pleno mandato e literalmente pulou do trem em meio da noite. Não se machucou e saiu anônimo a caminhar pelos trilhos da França profunda, até que um operário de ferrovia encontrou um andarilho sujo e de pijama, que repetia sem cessar: "Je suis le président de la République Française!"

Mais recentemente, foi o palhaço Coluche quem fez tremer a Quinta República, expondo com ironia as mazelas políticas, do gaullismo gagá à esquerda caviar. Do atual certame, é certo, ficará no ar o enigma de Nafissatou Diallo, africana pobre e imigrante, que nunca esteve na França, mas tão igual àquelas que têm sido alvo fácil do comum discurso anti-imigração que monopolizou a atual campanha. Trata-se da camareira que, ao entrar na suíte 1.117 do Hotel Sofitel de Manhattan, em uma modorrenta manhã de domingo, mudaria a história das eleições francesas e, quem sabe, de todo o futuro da Europa.

Jorge Fontoura, doutor em Direito Internacional, é professor titular do Instituto Rio Branco e membro do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul.

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