Agora é PT contra PSDB. Eu julgo que, politicamente, é boa a existência dessa atual polarização. Ao contrário do que está afirmado por vários analistas, ela não faz mal para a democracia. O que faz mal para a democracia é os partidos e candidatos não dizerem a que vieram, onde desejam chegar e como pretendem caminhar. Sejamos mais programáticos e menos conjunturais na análise desta eleição. Quando Marina Silva apresentou sua candidatura, eu apostei o quão importante seria a sua presença no sentido de introduzir novas agendas, a fim de que a campanha não ficasse reduzida ao tema da corrupção. Marina poderia expressar vontades políticas alinhavadas com a expansão da participação popular e da reforma política, e introduzir proposta alternativa para aperfeiçoar o atual sistema político-partidário brasileiro. Mas a candidata Marina não somente não apresentou pautas diferenciadas dos demais partidos como também confundiu o jogo político, ao ter posições ambíguas. Certamente, isso decepcionou parcelas de seu eleitorado que esperavam dela muito mais que a apresentação de sua biografia. Biografia importante, sem dúvida, mas insuficiente para constituir uma terceira via.
E a atual agenda política do PSDB voltou-se novamente para a corrupção, o que tem sido recorrente em campanhas anteriores. Considero um problema os tucanos apostarem em uma vitória a partir exclusivamente desse tema. Primeiro, porque parcela do eleitorado já está vacinada em relação à corrupção, tamanho tem sido o volume de divulgação de denúncias que envolvem diversos partidos e atores políticos, nos últimos anos. Em segundo lugar, uma campanha concentrada neste tema apenas acentua o discurso do "antitudo que está aí", sem apresentar soluções efetivas. Essa opção monotemática pode, ainda, tornar o eleitor mais cínico e dar vazão ao "rouba, mas faz", ou torná-lo apático e descrente das formas políticas de representação.
Mas a razão principal pela qual considero um risco para os tucanos a insistência em ganhar as eleições como os "representantes da ética" é que isso poderá voltar-se contra eles próprios, no futuro. A corrupção poderá até repercutir em votos e, eventualmente, levá-los à vitória. Mas, no primeiro escândalo que ocorrer enquanto governarem, o mesmo eleitorado que apostou no "governo de homens honestos" poderá se revoltar e abandoná-los assim como desistiu do PT. Por essa razão, é muito melhor para o PSDB e o PT que discutam um projeto de país do que ficarem se engalfinhando em um campeonato sobre quem é o mais corrupto.
Como sabemos, por inúmeras razões, malfeitos e desvios de recursos públicos têm sido um dilema para as democracias, inclusive nos países mais avançados. E, para além desse monotematismo, há um país a ser governado. Vejamos, por comparação, o caso espanhol. Com Felipe González à frente do Partido Socialista Obrero Español, o PSOE obteve a vitória em quatro eleições consecutivas (1982, 1986, 1989 e 1993), chegando a governar ininterruptamente por 14 anos. Em 1996, o PSOE perdeu as eleições para o conservador Partido Popular (PP). A perda do mandato dos socialistas foi derivada, sobretudo, das denúncias de corrupção. Um desses escândalos foi o tráfico de influência exercido pelo irmão do vice-primeiro-ministro no caso Ibercorp, no qual estava implicado o presidente do Banco Central espanhol. O PSOE voltou a governar a Espanha apenas em 2004 e perdeu novamente, em 2011, para o PP, que governa a Espanha atualmente. Mas o PP está agora implicado em inúmeros casos de corrupção como o caso Bárcenas, cujos envolvidos estão sendo julgados. Mais grave ainda é que a corrupção alcançou a monarquia espanhola, uma instituição que até então gozava de prestígio e confiança do povo espanhol. A denúncia de desvios de fundos públicos por indivíduos ligados à monarquia gerou um grande dano para a imagem da Coroa espanhola, a ponto de se tornar um dos fatores que detonou a abdicação do rei Juan Carlos de Borbón.
Mas qual é a diferença com o caso brasileiro? A corrupção é aceitável? Não, não é. A diferença é que os dois principais partidos espanhóis, o PP e o PSOE, refletem projetos distintos de país; o eleitorado sabe disso e se posiciona a partir dessas diferenças políticas e ideológicas. A corrupção deve ser combatida com todas as medidas cabíveis inclusive com reformas políticas e propostas factíveis para além da questão meramente moral e para além da criminalização dos partidos políticos. Mas abster-se de debater o modelo de país em nome do combate à corrupção é reduzir-se ao lado mais obscuro da política. E isso não é a melhor opção, nem para o PSDB nem para o PT. Um único tema combate à corrupção não fideliza o eleitorado nem contribui para o avanço democrático.
Helcimara de Souza Telles é professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais.
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