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A Covid-19, em sua intransigente velocidade de propagação e ignorando completamente a força de ideologias políticas e econômicas, promoveu uma verdadeira guerra relâmpago (Blitzkrieg) contra o mundo, assaltando sem aviso países e nações. Os governos nacionais têm procurado incessantemente soluções médicas e recursos financeiros para enfrentar a crise no sistema de saúde e evitar mortes indesejadas. Propostas de soluções são testadas, muitas vezes a esmo e de forma descoordenada, principalmente em Estados que adotam o modelo federativo, em que as unidades federadas possuem autonomia para testarem suas próprias soluções.
No Brasil, muito antes do coronavírus, já tramitava na Câmara a PEC 376/09, que depois passou a tramitar em conjunto com a PEC 56/2019, ambas tratando da coincidência geral dos pleitos eleitorais para todos os mandatos eletivos do Brasil. No Senado tramitam as PECs 123/2019 e 143/2019, sobre o mesmo tema. E, com o surgimento da crise, há notícias de que outras propostas estão sendo elaboradas para unificação das eleições.
A unificação das eleições no Brasil é medida de racionalidade econômica, política e, nesse momento, também de saúde pública. Econômica, porque não existe muito sentido em parar o país inteiro a cada dois anos para realizar eleições. O pleito municipal de 2016 custou ao TSE cerca de R$ 650 milhões. Além disso, consta no Orçamento de 2020 a destinação de R$ 2 bilhões para o fundo eleitoral. Adiando-se as eleições deste ano, todos esses recursos poderiam ser destinados ao sistema de saúde, à ampliação da cobertura do seguro-desemprego ou ao financiamento de pequenas e médias empresas em dificuldade.
Do ponto de vista político, o propósito é racionalizar o sistema. Significa permitir ao eleitor que escolha programas de gestão verdadeiramente nacionais, votando nos vereadores, prefeitos, deputados estaduais, governadores, deputados, senadores e presidente que perfilhem do mesmo entendimento sobre os grandes problemas do país, de forma que políticas públicas fundamentais sejam aplicadas harmonicamente nas três esferas de governo.
Diante da crise, muitos prefeitos estão tomando decisões políticas e financeiras cujos reflexos apenas serão sentidos pelos eleitores nos próximos anos. Muitos deles estão sendo obrigados a passar 2020 administrando a escassez absoluta, para não dizer o próprio caos. Nada mais justo e razoável que esses mesmos gestores arquem politicamente com suas decisões no combate à crise causada pela Covid-19. Manter as eleições deste ano não permitirá, nem de longe, avaliar a justiça e o acerto das decisões tomadas pelos atuais prefeitos.
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Por fim, quanto à saúde pública, mais do que dar uma destinação fundamental a esses escassos recursos financeiros, permitindo um enfrentamento melhor da pandemia, trata-se também de evitar o contato social das pessoas em todo o processo eleitoral, desde o manuseio, transporte e instalação das urnas, até o recadastramento de eleitores e a aglomeração nas zonas eleitorais no dia da eleição.
No enfrentamento dessa grave crise global, os países estão tomando decisões que nem sempre agradam a maioria, porém baseadas em argumentos técnicos, econômicos ou científicos. No Brasil, podemos unificar as eleições e economizar recursos para combater a pandemia ou, por outro lado – e com poucos argumentos razoáveis –, manter caras eleições a cada dois anos, usando em 2020, em plena crise da saúde, recursos financeiros para campanhas políticas, em vez de comprar máscaras, remédios, vacinas e ampliar leitos de UTI. Não parece ser uma decisão tão difícil.
Anderson Furlan, juiz federal, é ex-presidente da Associação Paranaense dos Juízes Federais e diretor da Escola da Magistratura Federal.