A Câmara dos Deputados aprovou as mudanças na medida provisória (MP) que abre caminho para a privatização da Eletrobrás. O texto foi enviado à Presidência da República e deverá ser sancionado por Bolsonaro até o início de julho. A maior empresa de energia elétrica da América Latina, responsável por um terço da energia consumida pelos brasileiros, será privatizada pelo regime de capitalização. Ou seja, serão emitidas novas ações na bolsa de valores, reduzindo, portanto, a participação do governo no controle da empresa dos atuais 61% para cerca de 40%, até fevereiro de 2022.
O Ministério da Economia estima que a privatização poderá render até R$ 100 bilhões aos cofres públicos, via oferta primária de ações na ordem de R$ 20 bilhões e R$ 80 bilhões em ofertas secundárias. Seria a maior privatização vista no país. Será um marco para o setor energético, envolvendo ao mesmo tempo o governo, a sociedade e o mercado de capitais. Nesse sentido, alinhar os interesses dessa tríade é um dos grandes desafios da privatização.
A preocupação central da sociedade civil organizada está em um possível aumento das tarifas de energia elétrica. Industriais e consumidores não vão aceitar aumentos recorrentes dos custos de energia. A ideia central de ampliar a participação do setor privado na gestão da empresa consiste em gerar eficiências, e estas devem ser revertidas aos consumidores. Por sua vez, o mercado de capitais focará sua análise na viabilidade do modelo aprovado no Congresso, em virtude das necessidades de novos investimentos em infraestrutura. Pelo projeto atual, a MP determina a necessidade de aumento no consumo energético de usinas térmicas a gás, gerando novos desembolsos de R$ 84 bilhões em construção de gasodutos. Como consequência, investidores do mercado acionário buscam responder à questão central: é possível realizar esses desembolsos sem aumentar as tarifas?
Para o governo, sim. O processo de capitalização tornará a empresa mais eficiente, abrindo espaço até mesmo para reduções nas tarifas de até 6,3%. No longo prazo, a redução da dependência energética derivada de usinas térmicas a diesel e carvão tornará a conta de luz mais barata, em períodos de crise hídrica, por exemplo. Ademais, o planejamento estratégico da Eletrobrás prevê um volume de investimentos de R$ 95 bilhões até 2035. Com a privatização, esse valor poderá chegar a R$ 200 bilhões, reduzindo nossa dependência das usinas térmicas a diesel e carvão.
No modelo de privatização, nenhum acionista poderá ter mais do que 10% das ações e a União terá seu poder de veto, garantido o interesse público em questões relevantes do setor energético. O grande benefício da desestatização consiste em eliminar possíveis ingerências políticas na empresa, como a observada pela MP 579/2012, da então presidente Dilma, para redução da tarifa, a qual logo se reverteu em aumentos de preços e um tremendo choque na inflação ao consumidor. No longo prazo, a redução de custos de produção é obtida pela eficiência na gestão, concorrência do setor e avanço significativo em investimentos em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento. Se a privatização propiciar à empresa avançar nesses pontos, então teremos de fato uma nova Eletrobrás.
Lucas Lautert Dezordi é doutor em Economia, sócio da Valuup Consultoria, economista-chefe da TM3 Capital e professor da Universidade Positivo.