O que a escalação da seleção brasileira de futebol tem a ver com o conjunto de regras que normatizam o sistema de financiamento político do Brasil? Em qualquer outro país, a relação seria difícil. No Brasil, não. Somos um país com 200 milhões de técnicos de futebol e o mesmo número de especialistas em sistemas políticos. Cada um de nós tem seu próprio sistema eleitoral ideal. São 200 milhões de soluções para os problemas dos nossos partidos e quase o mesmo número de soluções para o sistema de financiamento político. A relação entre futebol e financiamento político não é apenas oportunismo pela recém-convocação para a Copa. É, principalmente, pelo comportamento que adotamos ao expressar opiniões sobre os dois assuntos. Assim como no futebol, definimos as melhores regras de financiamento a partir de um conjunto muito pequeno de informações. Na maioria das vezes defendemos nossas posições como se não existissem consequências negativas para as escolhas. No entanto, assim como a seleção de jogadores de futebol, um sistema de financiamento político é feito de escolhas. E para cada consequência positiva existe pelo menos uma negativa. O segredo está em equilibrar o sistema e promover mudanças sempre que necessário.

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Uma sugestão que repito ao participar de debates sobre reformas no sistema político, inclusive o de financiamento, é que não se deve começar a debater o financiamento político pelas respostas, como normalmente acontece, e sim pelas perguntas. Antes de saber se financiamento público exclusivo, misto, limites nominais de doação, fim da autodoação de candidatos ou proibição de doações de empresas são bons ou ruins é preciso saber que pergunta move o debate. Queremos um sistema de financiamento que garanta maior liberdade aos participantes? Se sim, isso implicará uma evidente redução da igualdade de condições de financiamento político. Em uma sociedade desigual, maior liberdade nas regas de financiamento político significa condições favoráveis a quem está mais próximo dos setores sociais com mais dinheiro. Ou, outra pergunta: queremos um sistema de financiamento que garanta maior igualdade de participação? Se sim, fatalmente limitaremos em alguma medida a liberdade dos participantes.

Minha posição é a de que se precisarmos sacrificar alguma coisa, que se limitem as liberdades, pois é melhor uma democracia com regras mais rígidas de financiamento que garantam a igualdade de disputa do que uma democracia com condições desiguais de participação. Este é o ponto central na discussão sobre proibir ou não as doações de pessoas jurídicas a candidatos. Nas duas décadas em que as empresas foram autorizadas a financiar partidos tem crescido a desigualdade de condições das campanhas. E isso não se dá apenas nas disputas majoritárias. Cada vez mais deputados têm suas campanhas financiadas por empresas. É preciso combater uma das causas das desigualdades de disputas ou corremos o risco de criar uma classe de políticos eleitos selecionada previamente pelos grandes financiadores. O que em termos futebolísticos equivaleria a um gol contra.

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Emerson Urizzi Cervi, doutor em Ciência Política, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPR e coordenador do grupo de trabalho Financiamento do Sistema Eleitoral e Partidário nas Democracias Contemporâneas da (Anpocs).

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