O mesmo sujeito que não consegue atendimento no posto de saúde e vaga na escola para o seu filho é o que não alcança o Poder Judiciário
Mesmo aos olhos dos mais desavisados e desentendidos das falas jurídicas, são compreensíveis as afirmações constitucionais de que o advogado é indispensável à Justiça e de que a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados.
Para os bem-nascidos isso é tão relevante quanto à previsão de acesso à saúde e à escola pública. Para quem tem até mesmo acesso particular aos serviços de segurança pública, que diferença faz a existência (ou não) de Defensoria Pública: há escritórios particulares lutando por suas causas.
Ter acesso à Justiça é mais do que chegar. É alcançar. E isso se constitui como privilégio de poucos. O mesmo sujeito que não consegue atendimento no posto de saúde e vaga na escola para o seu filho é o que não alcança o Poder Judiciário.
A zona de conforto de pequena parcela da população, em geral com alta acessibilidade ao poder, faz com que se direcione muitas vezes a gestão da coisa pública no interesse particular. Qualquer manual simplório de Ciência Política explica esse mecanismo de interesse de forma simples: dê importância para quem é importante. Descontar pesadamente no futuro, especialmente daqueles que não têm voz e não tem vez, é tarefa fácil.
Mas com isso não se pode pactuar: a garantia aos direitos sociais, não autoexecutáveis, depende de ações de governo e exige do administrador público e do Poder Legislativo (ao tratar do orçamento) acuidade e responsabilidade ao incluir em suas pautas políticas o que é direito fundamental. O que tal ou qual governo elege como prioridade marca bem o tom de suas políticas públicas.
Há 22 anos a Defensoria Pública, bem como outros direitos sociais, não estão por certo na pauta política dos governos que vieram e que estão aí, e até por vir. Pois, do contrário, algo por ela já teria sido efetivamente feito. De promessas, não se vive.
A Defensoria fortalece a sociedade, em especial os desvalidos economicamente, cansados demais pelas fatigantes horas de trabalho pesado, com salários precários, pelas longas filas nos postos de saúde e pelas madrugadas passadas em frentes aos colégios, para matricular os filhos.
Não se trata de outra coisa que não a determinação constitucional de atender dignamente o cidadão. Não é favor, capricho ou caridade, isso é um direito essencial para materializar um modelo de Justiça igualitária. Numa realidade como a nossa de frágil verniz democrático, de condição periferizada, com milhares, porque não dizer milhões de vítimas do sistema exige-se uma Defesa fortalecida.
No 3.º Diagnóstico da Defensoria Pública, elaborado pelo Ministério da Justiça em 2009, o Paraná ocupa uma das piores avaliações. Um exemplo fala por todos: um único defensor atendeu 1.500 termos de apuração de ato infracional de adolescentes em conflito com a lei, enquanto que no Rio de Janeiro, 108 defensores, no mesmo período, atenderam 1.050. Também há um único defensor para os casos da Lei Maria da Penha. Estima-se, segundo a avaliação, que o nosso estado precisa de 600 defensores.
Aponta-se, nesse Diagnóstico, o dado crítico, que é o que se usa historicamente aqui como barreira a sua efetiva implantação: o orçamento. Qualquer gestor público sabe que montar o orçamento é estabelecer prioridades.
Aqui propaganda e repressão valem mais do que cidadania.
Ao reduzir Defensoria Pública a custo, o governo terá de arcar, além das consequências desta omissão, com o alto custo político da negativa aos paranaenses de condições efetivas de acesso à orientação jurídica e defesa dos seus interesses.
É por isso que o Núcleo de Direito Processual Penal da UFPR, contando com a participação acadêmica, da sociedade civil e autoridades, realizará um ato público, amanhã, às 10 horas, no Salão Nobre da Faculdade de Direito, em defesa da Defensoria Pública.
Priscilla Placha Sá é advogada criminal e professora de Direito Penal da UFPR e da PUCPR.