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Ilustração: Marcos Tavares/Thapcom
Ilustração: Marcos Tavares/Thapcom| Foto:

O atual presidente da república, Jair Bolsonaro, afirmou que o Ministério da Educação estuda “descentralizar” investimentos em cursos de Filosofia e Sociologia, porque o orçamento deveria voltar-se ao ensino da leitura, escrita e a fazer conta, “e depois um ofício que gere renda para a pessoa”. Se alguém retirasse desta frase o nome do seu autor, alguém poderia pensar se tratar de um pensador materialista, e até mesmo de um pensador materialista crítico da filosofia, como Karl Marx, por exemplo. Este acreditava, como tantos outros pensadores, que a miséria do atraso econômico da Alemanha em relação à Inglaterra e do atraso político em relação à França estava no fato de o país germânico pensar demais e agir pouco. Mas, curiosamente, para não se supor que há muito de errado no reino da Dinamarca, que nem estava na história, eu penso que o enigma deve estar no significado um tanto impreciso do que poderia significar descentralizar tal ensino. Transferi-lo a instituições privadas? Precisamente aquelas que só pensam em “gerar renda para a pessoa”, principalmente se a pessoa é a dona da instituição?

A filosofia e a universidade não podem ser criticadas enquanto tais, mas sim pelo que fazem e como fazem

Por outro lado, o filósofo, jornalista e apologista cristão G. K. Chesterton escreveu uma vez que, se estivesse para alugar um imóvel a alguém, não perguntaria nada sobre seu emprego ou renda, mas preferia obter informações sobre sua fé, porque é a fé e a visão de mundo que determinam a honestidade, o tipo de relacionamento e cuidado com a propriedade; justamente ela, “a propriedade”. É óbvio para qualquer pessoa que um rico pode ser desonesto e que pessoas pobres, simplesmente por causa de sua visão do mundo, são mais capazes de honrar compromissos e manter a palavra. Chesterton pensava isso na forma de um paradoxo, isto é, que o que há de mais profundo e teórico em nós é precisamente o que há de mais prático. Nada mais prático que uma boa teoria, portanto. Mas quem desenvolve teorias não são certamente pessoas práticas! A afirmação do atual presidente e a perspectiva do ministério estão baseadas numa visão muito superficial das coisas, como a de Karl Marx, por exemplo. Talvez enquanto órgão gestor, então, se poderia cogitar que o ministério está a pensar na institucionalização das teorias, e não no fato de que elas estejam por aí sendo feitas, e que, assim como lembrou Jesus a Judas Iscariotes a respeito dos pobres, sempre haverá teorias. Mas isso também é fora de propósito.

A filosofia, entre outras coisas, é feita nas universidades públicas brasileiras. Ora, nem a filosofia nem a universidade são coisas estanques e que permanecem sempre as mesmas. Sendo assim, não podem ser criticadas meramente enquanto tais. Seria como dizer que uma pedra é inaceitável por não ser um vegetal, e no momento seguinte defender a ideia bastante consequente de que pedreiras não deveriam produzir pedras, e sim qualquer outra coisa que gerasse vida vegetal. Até mesmo essa comparação não é exata, pois o mercado editorial ou mesmo o assim chamado “mercado das ideias” gera na verdade muito dinheiro. Ou será que as pessoas não compram ideias? O Centre for Economics and Business Research (Cebr) revelou em 2017 que o mercado livreiro britânico contribuiu com quase 2 bilhões de libras para o PIB do Reino Unido, gerando mais de 45 mil postos de trabalho. Se visto então pelo aspecto da cadeia produtiva geral, são quase 4 bilhões de libras em negócios. Para cada dez empregos no comércio livreiro, mais nove empregos são exigidos no restante da cadeira de suprimentos. Quando se fala em crise do mercado editorial, a questão é tecnológica, mas ninguém ousaria dizer que as pessoas estão menos interessadas em ideias. Mas não é disso que eu quero falar, e sim do contrário, o que piora a situação do presidente e do seu ministro, porque eles estariam errados, como dizem os filósofos, em todos os mundos possíveis.

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Bom, eu dizia que a filosofia e a universidade não podem ser criticadas enquanto tais, mas sim pelo que fazem e como fazem. Há mais ou menos 20 anos, entramos num estágio novo na esfera do pensamento filosófico. A filosofia dos últimos dois séculos tinha sido relativamente maniqueísta em torno de problemas como ciência versus religião, esfera pública versus esfera privada, etc. Mas há 20 anos isso mudou, e temos reconhecido a importância dos afetos e das convicções religiosas na esfera pública e nas ciências, inclusive. A lógica da polarização política é a mesma da secularização caricata. Os tempos são outros, de construção de pontes, de diálogo, de trazer palestras para a Igreja e círculos de oração para os grêmios estudantis das universidades. Por outro lado, orientei recentemente uma dissertação de mestrado em filosofia sobre Edmund Burke, de tradição conservadora. Ensino Tomás de Aquino com a mesma seriedade com que ensino Karl Marx, porque me importam argumentos, e não quem os articulou. Desde 2014, realizamos no campus um evento chamado Fé e Saber, em que é falado aos estudantes do problema ocorrido em países onde as universidades se tornaram “escolões” profissionalizantes e abandonaram o sentido da vida ou as chamadas grandes questões da existência. Um amigo professor e engenheiro do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) falou sobre ética em engenharia numa perspectiva cristã, que é obviamente uma perspectiva possível se você é cristão, e que merece ser discutida na universidade, ao contrário do que muita gente pensa.

Esta tem sido uma bandeira dos reitores e filósofos cristãos dos EUA, por exemplo. E isso nada tem a ver com esta ou aquela visão de mundo em particular, mas sim com a abertura da universidade para grandes questões, que seja bem esclarecido! Um médico ou veterinário sem ética ou sem oportunidade de discutir seus dilemas éticos, sem investigar o sentido da vida, pode ser um perigo para a sociedade. E eu arriscaria dizer: como tem sido. Demonizar a Filosofia, neste momento em que pontes são construídas, é abrir novamente o abismo, é dar um passo atrás. A questão deveria ser incentivá-la, pluralizá-la institucionalmente. Se o governo pensa em colocar a sua teoria, porque certamente ele tem uma, como inimiga da Filosofia, estará puxando seu próprio tapete, e passando o recado falso de que não há filósofos sérios de distintas visões políticas nas universidades. Estou com a impressão entre feliz e desastrosa de que esse Ministério da Educação, antes ou depois da demissão, está fadado a ideias desastrosamente voltadas para trás, e das quais, felizmente, se volta atrás.

Arthur Grupillo é jornalista e professor de filosofia da Universidade Federal de Sergipe.

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