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Em defesa da lei: fora da lei não há salvação

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A Justiça, estátua na Praça dos Três Poderes, diante do Supremo Tribunal Federal. (Foto: Agência Brasil)

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A lei está a valer cada vez menos ao redor do mundo. O fato – gravíssimo sob qualquer prisma – foi constatado e noticiado em recente relatório do World Justice Project, organização independente, sediada em Washington, que trabalha pelo fortalecimento do Estado de Direito, enaltecendo princípio basilar de que o cumprimento da lei reduz a corrupção, ajuda a combater a pobreza e outros males sociais, protegendo os cidadãos de injustiças grandes ou pequenas. Sem cortinas, as revelações do WJP chamam atenção e ligam o alerta civilizatório: pelo quinto ano consecutivo, a legalidade erodiu em 84 países, fortalecendo-se, timidamente, em apenas 54 nações.

Objetivamente, desde 2015, o império da lei enfraqueceu em 64% dos países considerados, expondo sintomas como a fragilização de direitos fundamentais e dos mecanismos de contenção/limitação dos poderes estatais, com consequente redução qualitativa do espaço público e sensível incremento de tendências autoritárias, além de baixa responsividade e morosidade dos sistemas de Justiça. O index da WJP informa que Dinamarca, Noruega, Finlândia, Suécia e Holanda ocupam as primeiras oposições no tocante à plena e justa efetividade da lei. Por sua vez, na ponta de baixo, Haiti, Congo, Afeganistão, Camboja e Venezuela ocupam as últimas fileiras com eloquentes injustiças postas. E o Brasil, estará entre aqueles que prezam, defendem e executam uma legalidade modelar ou entre as nações com perfeitos arranjos legais de aparência, mas com lancinantes insuficiências práticas?

Quando a legalidade se torna relativa, as injustiças ganham tons absolutos. Logo, precisamos avançar e, não, retroceder na defesa da lei. Felizmente, nunca é tarde para a retomada do respeito milimétrico à legalidade positiva.

Infelizmente, estamos na 81ª posição de um total de 140 países. Ou seja, estamos entre as 10 maiores economia do mundo, mas, no campo da legalidade, ficamos atrás do Uzbequistão, Suriname, Gana, Cazaquistão, Senegal, Namíbia, Jamaica, entre outros com menor expressão de PIB. Tal assimetria entre poder econômico e qualidade eficacial do Estado de Direito demonstra que temos um longo caminho de aperfeiçoamento institucional a percorrer. O fato é que a lei não existe para ser um ornamento de decoração. Aliás, a lei não precisa ser bela ou sofisticada; apenas deve ser simples, de fácil entendimento social e, justamente, por ser simples e fácil, de natural aplicação prática. Portanto, não basta falarmos retoricamente de legalidade e vivermos em um país de injustiças gritantes.

Há quase 50 anos, ao assumir cadeira de relevo no Senado Federal, a inteligência superior de Paulo Brossard, em discurso inaugural, fez questão de assinalar que “a segurança é filha da lei; a quebra da legalidade é mãe da insegurança”, vindo a acrescentar: “quando a lei é editada por quem, legalmente, não tem competência para fazê-lo, quando a lei, como enfeite que se muda de lugar conforme o gosto, ou o capricho, é mudada aqui e ali, consoante conveniência do dia ou o embaraço da ocasião, está rompida a teia invisível da segurança jurídica, sem a qual não há segurança alguma. E quando os governados não têm seguros os seus direitos, os governantes não têm seguro o seu poder”.

Ora, quando a legalidade se torna relativa, as injustiças ganham tons absolutos. Logo, precisamos avançar e, não, retroceder na defesa da lei. Felizmente, nunca é tarde para a retomada do respeito milimétrico à legalidade positiva, elevando o primado das franquias constitucionais das liberdades públicas e privadas. Em tempo, respeito às liberdades pressupõe equilíbrio e serena ponderação entre os poderes republicanos. Afinal, nenhum poder está acima dos demais; possuem competências distintas e esferas de atuação complementares. Naturalmente, no dinâmico processo democrático de construção do possível, há pontos de intersecção que exigem tato, sensibilidade e, fundamentalmente, espírito público em favor do bem do Brasil. Por assim ser, eventuais hipertrofias de poder revelam anomalias sistêmicas a serem equacionadas à luz dos preceitos de harmonia e bom convívio institucional da República, evitando-se ímpetos desmedidos ou o arbítrio autoritário que apenas destrói sem nada construir.

Em sentença lapidar, a sabedoria de Rui Barbosa fez ecoar “com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação”. Definitivamente, não há. Alguns podem se pensar salvadores da pátria; não são. Outros podem se pensar acima da lei; não estão. Sim, a lei pode ser agredida, mas o sentimento de justiça não se deixa calar. Daí, em diversos capítulos da história, o impulso febril de se querer controlar a liberdade de expressão. Apesar de todos os riscos, entre sabujos e censores, a humanidade livre tem encontrado caminho para a continuidade do progresso civilizatório. E será, com a firme e decidida defesa da lei, que faremos do Brasil uma nação justa, séria, trabalhadora, livre e solidária.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.

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