Jerson Kelman, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), anunciou semana passada que a agência cancelará autorizações das Pequenas Centrais Hidrelétricas ( PCHs) outorgadas àqueles que não iniciaram sua construção. Quer repassá-las a quem queira de fato construí-las e não apenas obter licenças para tentar vendê-las como mercadoria, quando a oferta de energia diminui. São 4.000 MW, em todo o Brasil, sem gerar um watt, mas equivalentes a 30% de Itaipu. Todas já com projetos aprovados. Isso é mais que 6% da demanda no horário de ponta. O prazo de construção das PCHs é de 18 meses, contra 4 anos das grandes hidrelétricas. O mais importante é que elas usam a força das águas, mundialmente reconhecida como uma das formas mais limpas e baratas de produzir energia renovável e uma vocação natural da matriz energética brasileira, pois já temos inventariados um total de 260 gigawatt em potenciais e temos construídos só 72 mil. O melhor é que toda essa energia adicional será obtida com um impacto mínimo sobre o ambiente, já que, por lei, a área atingida por PCHs não pode ser maior do que três quilômetros quadrados. Isso facilita a fiscalização da retirada completa da cobertura vegetal, evitando a formação de gases de efeito-estufa, como ocorreu nas grandes hidrelétricas, nos sombrios anos 70/80, quando meio ambiente significava apenas metade da sala de estar. Por essas e outras razões de domínio público, o Protocolo de Kyoto, assinado por 168 países, classifica as pequenas hidrelétricas como fonte de geração de energia renovável. Essa classificação permite que a construção de uma PCH habilite o empreendedor a obter um certificado de redução de emissões emitido pela própria ONU. Algo que é tão sério e cientificamente controlado que a redução de emissões das PCHs representou 14% de todas as transações com os créditos de carbono em 2006, que atingiram US$ 26 bilhões. Outra boa notícia é que com estas pequenas hidrelétricas nós, projetistas, estamos aprendendo a diminuir os problemas ambientais causados pelas grandes. Além disso, saindo do papel, as PCHs criarão dezenas de milhares de empregos, não só na construção, mas em turbinas, geradores, cimento, aço estrutural e equipamentos. Muitos milhões serão gerados nas indústrias que poderão ser instaladas sem o risco de novos apagões, utilizando esses 30% de Itaipu que estão paralisados. Apesar de trazer tantas vantagens para todos, nossa experiência nesse setor nos diz que a medida da Aneel enfrentará muitas dificuldades. Será muito difícil identificar os detentores de autorizações que realmente estavam "sentados em cima dos aproveitamentos, especulando com um bem público", como disse o diretor-geral da agência. Pelo menos, sem correr o risco de punir injustamente àqueles que não iniciaram as obras porque, apesar de terem cumprido todas as exigências legais, enfrentaram dificuldades artificialmente produzidas por agentes públicos. E se, apenas por hipótese, ficar provado que nessa suspensão, agentes públicos usaram apenas o arbítrio de sua funções, sem estarem amparados em nenhuma motivação prevista em lei? E se restar provado que empreendedores investiram em projetos, sondagens, canteiros de obras, mas foram impedidos de continuar devido a uma simples "canetada", uma ação ou omissão não amparada em lei de algum órgão ambiental? E se ficar demonstrado que "problemas ambientais" foram criados artificialmente, apenas para beneficiar terceiros? E se isso foi uma jogada para criar uma "reserva de mercado", destinada a no devido tempo ser posta à disposição dos "maiorais" do mercado? E se a Aneel, às voltas com tantos órgãos ambientais estaduais, cada um com suas regras, vaidades, idiossincrasias e círculos de influência, não estiver conseguindo garantir a isonomia entre os agentes, principalmente quando, disputando um potencial, estiver um empreendedor "de dentro" e um "de fora" do estado"? Para esses casos, a agência precisará da sabedoria do Rei Salomão. Esperemos que, frente às dificuldades, não se queira cortar as PCHs em pedaços, para dar uma parte, a maior, às "mães falsas" e outra, pequena, às "mães verdadeiras".
Ivo Pugnaloni é engenheiro eletricista, diretor da consultoria Enercons e foi diretor de Planejamento e de Distribuição da Copel. (www.enercons.com.br)