| Foto: Pixabay

A queda do Muro de Berlim foi lembrada com a importância de um dos maiores feitos da história da humanidade. Quem observava a geopolítica mundial nos anos 1980 podia perceber as dificuldades que a União Soviética atravessava pela ineficiência da economia e pela ânsia de liberdade das repúblicas nacionais. Mas era impossível esperar a derrubada do Muro tão cedo, tanto quanto o fim da União Soviética, logo depois.

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A derrubada do muro de concreto significou o fim da separação entre povos conforme o regime político, mas no lugar dele foram erguidos muros entre nações. Ainda hoje, milhares de pessoas morrem tentando atravessar os muros e mares que separam a pobreza da riqueza.

Comemoramos a República antes de completá-la

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Impedir o pobre de sair da pobreza onde vive para uma região com abundância é tão indecente quanto impedir uma pessoa de pular um muro para sair de ditadura em direção à liberdade. Celebramos 30 anos de uma derrubada incompleta do Muro de Berlim.

Aqui no Brasil, comemoramos o que muitos não acreditávamos ver em vida: nossas estatísticas mostram que nas universidades estatais o número de afrodescendentes já é maior que o de eurodescendentes, refletindo a realidade demográfica da sociedade. Mas essa comemoração é incompleta porque ainda há 12 milhões de adultos analfabetos e nossa educação de base permanece  entre as piores do mundo.

Parece estarmos repetindo com as universidades estatais o que fizemos com a escola pública de base. Enquanto era para poucos, mantivemos a qualidade, ao abrir as portas a todos, abandonamos as escolas entregando-as aos municípios.

Devemos comemorar o esforço para mudar a cor da cara da elite universitária, mas é uma celebração incompleta, porque ainda não temos o que comemorar na qualidade e na equidade da educação de base, nem na garantia dos recursos necessários à universidade estatal.

Em grande parte, por causa desse descuido com a educação de base, comemoramos os 130 anos de proclamação da República sabendo que ela segue incompleta. Em 1889, fizemos uma nova bandeira em que, ainda hoje, 12 milhões de brasileiros não conseguem ler “Ordem e Progresso”. Nossa República mantém até hoje uma sociedade tão ou mais dividida que em muitas monarquias, entre uma minoria “nobre” e uma imensa maioria excluída, sem moradia, saúde, educação, cultura, liberdade; prendemos pequenos ladrões que não podem pagar advogado e deixamos soltos os grandes ladrões corruptos que podem postergar seus julgamentos em instâncias intermináveis. Políticos e juízes não respeitam a República, base fundamental de um regime republicano pleno. Comemoramos a República antes de completá-la.

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Neste fim de novembro, comemoramos incompletudes.

Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.