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Artigo

Em vigília pela Notre-Dame

Catedral Notre-Dame de Paris na manhã seguinte ao incêndio.
Catedral Notre-Dame de Paris na manhã seguinte ao incêndio. Eric Feferberg/AFP (Foto: ERIC FEFERBERG)

Nos últimos treze anos, tive o privilégio de acordar e adormecer à sombra da Catedral de Notre-Dame. Isso porque moro no meio do caminho entre a linha invisível que vai do sótão de Simone de Beauvoir, no número 11 da Rue de la Bûcherie, onde ela morou depois da Segunda Guerra Mundial, e a lateral sul do templo. Seu melhor perfil, aquele com que brinda os visitantes da Margem Esquerda, decora minha vida.

Acreditem se quiser, mas ninguém se acostuma com tamanha beleza. Ela me deslumbra, serena, toda vez que levanto os olhos para me deparar com sua grandeza medieval. De manhã, se estou em casa, eu a cumprimento silenciosamente antes de sair ou ao cruzar o Sena na Pont de l'Archevêché, onde recém-casados do mundo inteiro posam para fotos, vestidos a caráter, quase sempre alheios ao calor infernal, ao céu sombrio ou às temperaturas negativas.

Minha coleção de imagens da Notre-Dame, em todas as estações e com todos os tipos de luz, só se compara às dos meus amigos mais queridos e familiares: Notre-Dame ao pôr do sol, Notre-Dame quase desaparecendo na forte névoa, Notre-Dame de manhãzinha, Notre-Dame com ares instáveis ou intensos. Tenho todas.

Na tarde de 15 de abril, quando vi pela cozinha nuvens de fumaça vindas da direção do Sena, prendi a respiração e corri para abrir as janelas. Dava para ver as chamas em um dos pequenos vitrais e em parte do telhado, mas as árvores bloqueavam parcialmente minha visão. Corri para fora.

Parisienses e turistas, já se amontoando nas calçadas, começavam a se espalhar na rua, até perto dos bouquinistes", os famosos vendedores de livros às margens do rio. Observei por alguns minutos a fumaça amarelo vivo que saía da catedral e as chamas cor de laranja que lambiam o céu. A cena era de uma beleza estranha e terrível. Bombeiros e policiais começaram a chegar de todas as partes e corri para chorar em casa.

Como desviar os olhos? Fiquei parada em frente à janela da cozinha e vi quando o pináculo de pouco menos de cem metros de altura foi engolfado pelo fogo. O telhado, do século 13, feito com o tronco de mais de mil carvalhos, estava sendo devorado vivo. Os bombeiros, com suas escadas, iam e vinham. Vi um vitral derreter. E então o topo da igreja desabou.

A polícia teve de isolar a multidão nas ruas que levavam às ruas marginais. Havia muita gente. Vi seus rostos – uns rezando silenciosamente, outros cantando a Ave-Maria baixinho, a maioria simplesmente com ar solene, os olhos marejados. Muitos ficaram ali a noite inteira, como se à cabeceira de um parente querido gravemente enfermo.

Pouco antes da meia-noite, veio a notícia de que os bombeiros tinham conseguido salvar a estrutura e as torres, e que o telhado de madeira, conhecido como "a floresta", tinha sido destruído. O estado dos vitrais gigantescos do século 13 era incerto. O desespero total aos pouquinhos foi dando espaço a uma esperança tímida. Sem conseguir dormir, fiquei ao lado dela, às margens do rio, esperando a primeira luz do dia. Os bombeiros continuavam a encharcá-la, quando a aurora subitamente raiou em tons de rosa e roxo. A Notre-Dame ainda estava lá, de pé, e continuava incrivelmente bela. Tinha levado meus binóculos para examinar os vitrais; consegui distinguir as figuras de animais e as cores. É isso que chamam de milagre?

A Notre-Dame sempre foi muito mais que uma catedral ou um monumento histórico; é um ser vivo, uma presença imponente e ao mesmo tempo benevolente na vida de quem quer que se aproxime dela. Durante centenas de anos, foi a estrutura mais alta que homens e mulheres podiam ver a dezenas de quilômetros.

"Vamos reconstruí-la", declarou o presidente Emmanuel Macron. É para isso que existem as florestas perto de Fontainebleau e Versalhes. É disso que a civilização é feita – um tanto de madeira muito antiga e outro tanto mais jovem e forte, e pedras medievais. A partir de agora vou morar em frente a uma Notre-Dame ferida, uma visão ainda mais magnífica. E todos os dias saudarei sua beleza e sua capacidade de recuperação.

Agnès C. Poirier é jornalista e autora, mais recentemente, de "Left Bank: Art, Passion and the Rebirth of Paris 1940-1950".

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