O Brasil está entre os cinco melhores mercados de aviação doméstica, mas há quase dois anos vem perdendo demanda por causa do cenário econômico. Só em 2016, foram 9 milhões de passageiros a menos nas aeronaves. Com o argumento de recuperar essa demanda por meio de classes tarifarias mais baratas, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) divulgou um conjunto de normas alterando diferentes aspectos da relação entre as companhias aéreas e seus passageiros.
A partir da entrada em vigor das novas regras, as empresas aéreas terão o direito de negociar com seus passageiros as condições para a cobrança por despacho de bagagens. Hoje, cada passageiro tem direito a embarcar com até 5 quilos de bagagem de mão e despachar, sem custo, uma mala com até 23 quilos nos voos domésticos e 32 quilos nos voos internacionais. Tudo o que exceda esses limites é cobrado no momento do embarque. Com as novas medidas, os passageiros poderão levar somente a bagagem de mão, cujo peso máximo passaria dos atuais 5 para 10 quilos. Com mais passageiros tentando embarcar com malas de mão, o embarque deve ficar ainda mais lento.
A medida representará um retrocesso legal e uma perda de direito adquirido
Franquia de bagagem: muito se diz, pouco se sabe
Quanto mais pesada é a mão do governo na regulação de uma atividade econômica, mais burocrática, cara e ineficiente ela tende a ser
Leia o artigo de Maurício Quintella, ministro dos TransportesO argumento da agência reguladora é o de equilibrar as regras brasileiras com as praticadas em países da Europa, e mesmo nos Estados Unidos, pelas empresas aéreas de baixo custo (low cost). Por causa disso, as empresas aéreas brasileiras poderão reduzir o valor das passagens, com ganhos para os consumidores. Mas a norma, de legalidade e constitucionalidade questionadas inclusive pelo Ministério Público Federal, não compromete as empresas aéreas com a redução das tarifas. Da forma como o texto da Anac está colocado, o risco é de que o passageiro se torne refém das companhias aéreas. O que parece ser a única garantia contida na resolução é que algo que hoje não é cobrado dos consumidores passará a sê-lo.
Além disso, diferentemente do que acontece em países europeus e nos EUA, não existem de fato, por aqui, empresas aéreas de baixo custo. O valor dos leasings das aeronaves, definidos em moeda estrangeira, representam um peso enorme para as empresas aéreas, face às oscilações do câmbio. Em adição, o preço dos combustíveis e os impostos incidentes sobre esses, mais as taxas aeroportuárias, tornam os custos fixos de operação um pesadelo para os administradores, pois as receitas são variáveis e em reais. O passageiro se sairia melhor se a legislação sobre controle acionário de companhias aéreas fosse afrouxada e o Brasil pudesse atrair low costs de verdade para competir no nosso mercado.
Isso sem falar nas diferenças abissais que existem entre Brasil e países europeus e Estados Unidos no que se refere à demanda por voos domésticos e internacionais. Renda per capita, cultura de mobilidade, facilidades de crédito, inflação e taxas de juros baixíssimos definem um potencial de consumo por viagens aéreas infinitamente superior por lá, comparado com a realidade do lado de cá.
Portanto, a meu ver, tais mudanças não deverão representar ganhos para os passageiros. Pelo contrário: na hipótese de entrar efetivamente em vigor a partir de 14 de março, a medida representará um retrocesso legal e uma perda de direito adquirido pelos consumidores.
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