O governo e o Congresso estão às voltas com uma escolha delicada neste início de ano: renovar ou não o auxílio emergencial criado para fazer face aos estragos provocados pela pandemia na vida, na economia, nas liberdades e nos hábitos e costumes da população. Como se sabe, a vigência do estado de calamidade pública e o orçamento de guerra, que permitiram à União extrapolar o orçamento previsto, provocando um impacto fiscal de mais de R$ 620 bilhões, expirou no fim de 2020, o que significa que as regras fiscais anteriores à crise sanitária voltaram a valer. Isso impôs o encerramento do auxílio emergencial e de outros programas e submeteu os novos gastos ao orçamento de 2021.
O novo presidente do Senado manifestou à equipe econômica a preocupação dos parlamentares com o fim do auxílio emergencial e defendeu a sua reativação, embora reconhecendo que as regras fiscais precisam ser observadas. Para o ministro da Economia, qualquer nova rodada do auxílio emergencial deverá caber no orçamento e ser acionada apenas em caso de nova calamidade pública e, mesmo assim, o auxílio deverá ser mais “focalizado”, atendendo apenas a 32 milhões de cidadãos, menos da metade dos 67,9 milhões que receberam o benefício no ano passado. Guedes, acertadamente, manifestou preocupação com o quadro de recuperação das finanças e ressaltou que qualquer nova versão do auxílio precisará ter foco na realocação de outras despesas.
É evidente que a discussão é válida e necessária, mas é preciso cautela. Calamidades e situações de emergência sempre foram pretextos para políticos com arroubos populistas e índoles ditatoriais minarem orçamentos e liberdades individuais, muitas vezes com o amparo supostamente científico de economistas ditos progressistas. Com a peste chinesa não foi diferente e o Estado, principalmente nas esferas estadual e municipal, aumentou a interferência nos costumes e na economia, com a imposição de controles, ordens, proibições e punições de todos os tipos.
O reconhecimento – louvável – de uma emergência não pode ser usado como pretexto para manuseios políticos, por meio do prolongamento proposital do problema para obter benefícios permanentes. Aliás, isso agrediria a própria característica de toda e qualquer situação emergencial, que é a transitoriedade. Afinal, tudo o que é emergencial não pode ser permanente, e é por isso que qualquer programa social, como o chamado auxílio emergencial, deve ser encarado como um sedativo para acalmar, a ser receitado apenas para aliviar a dor, enquanto a causa não é atacada. Emergências não podem ser rotineiras.
Mas poucas coisas agradam tanto aos políticos como o prolongamento desses programas, que rendem votos e não impõem os desgastes das ações de erradicação das verdadeiras raízes da dor. É inegável que em situações atípicas e desconhecidas, como a que irrompeu no ano passado, há sentido em esperar que medidas emergenciais de estímulos produzam temporariamente o oxigênio necessário para a preservação de vidas e para que a atividade econômica continue a respirar.
É verdade que a pandemia colocou milhões de brasileiros em posição de extrema vulnerabilidade, tanto do ponto de vista sanitário como econômico, e é aceitável que as atenções tenham se voltado para o Estado como o agente capaz de dar o apoio necessário para atravessar a dupla crise e que, para tanto, as diretrizes orçamentárias antes estabelecidas para sanear o orçamento público tenham sido modificadas. É também compreensível que o teto de gastos, limitador das despesas do governo a um nível pré-determinado, as metas fiscais e a chamada “regra de ouro”, que impede o governo de contrair dívidas para pagar despesas correntes, tenham sido provisoriamente suspensos, com o aval do Congresso, nos primeiros momentos da pandemia.
Mas, infelizmente, é preciso atentar para o tamanho da conta. O impacto total das medidas de combate à pandemia sobre os cofres públicos em 2020 foi de R$ 620,5 bilhões, representando mais de 8% do PIB. Desse total, perto de 95%, ou R$ 594,3 bilhões, consistiram em gastos, entre os quais R$ 322 bilhões com o auxílio emergencial. A outra parte resultou de renúncias de receitas, que chegaram a R$ 26,2 bilhões, dos quais 72,5%, ou R$ 19 bilhões, decorreram da isenção de receitas de impostos sobre operações de crédito, de importação de materiais médico-hospitalares e de artigos de laboratórios e farmácias.
Sim, todos nós sabemos que é preciso combater a peste. Mas o meio racional para esse fim não é continuar arrombando as finanças da União, já depauperadas; ele passa necessariamente pela despolitização de todas as faces do problema e a suspensão das medidas ditatoriais adotadas em estados e municípios, que estão matando a economia sem qualquer evidência de sucesso sanitário.
Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.