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Espaço fiscal para o investimento público cada vez mais reduzido, cenário que demanda por retomada econômica rápida e sustentável no pós-pandemia de Covid-19 e as recentes reformas fiscais proporcionadas pelas leis de responsabilidade fiscal traduzem-se em momento bastante oportuno para o avanço de iniciativas inovadoras da gestão fiscal local. É nesse contexto que se coloca em pauta a reabertura do mercado de emissão de títulos municipais.
Investimentos em infraestrutura local são determinantes para a retomada do desenvolvimento do país. Especialmente no atual cenário, em que os impactos ocasionados pela pandemia influem sobre a capacidade das autoridades locais de arrecadar recursos para as despesas de capital, estados e municípios necessitam buscar mecanismos alternativos de financiamento.
O emprego de títulos municipais, fundado, sobretudo, na sustentabilidade e responsabilidade fiscal, propicia meios viáveis para aumentar a capacidade financeira dos entes subnacionais. Além disso, quando o município emite títulos, controla a agenda de investimentos; portanto, referido mecanismo promove maior responsabilidade e compreensão da tomada de decisões do gasto público.
Outro ponto importante é sua característica estratégica, pois, uma vez estabelecido um processo de emissão eficiente, a captação de recursos no mercado torna-se muito mais rápida em comparação com operações de crédito nos bancos oficiais e organismos multilaterais, que demandam um longo processo de detalhamento contratual.
Experiências internacionais oferecem diretrizes e referências sólidas para a reabertura do mercado de títulos no Brasil. Significativa parte da infraestrutura nos Estados Unidos foi e é construída com recursos da emissão de títulos públicos municipais. Com mercado do tamanho de US$ 3,9 trilhões e aproximadamente US$ 400 bilhões em emissões por ano, eles financiam quase três quartos das principais infraestruturas do país.
A necessidade de aumento do investimento público, associada ao momento propício para tanto, oferece uma janela de oportunidade para os próximos passos de modernização financeira.
Cumpre, ainda, evidenciar o processo de modernização introduzido às finanças locais brasileiras a partir dos anos 2000, que se relaciona de forma muito positiva com a criação de um ambiente propício para a emissão de títulos municipais.
Os padrões de transparência, contabilidade, orçamento e relatórios, alcançados com a Lei de Responsabilidade Fiscal, modernizaram os órgãos municipais, levando-os mais perto das referências globais em estruturas regulatórias e gestão fiscal. No entanto, a despeito do exposto até aqui, ressalta-se a necessidade de impor restrições ao referido mercado, para coibir excessos e realizar emissões com segurança.
Para evitar que incorramos nas falhas do passado, quando rígidas regulamentações fiscais impostas pela União impediram efetivamente as emissões de títulos municipais no Brasil para fazer frente à delicada situação financeira dos entes subnacionais, é primordial ter parâmetros claros de equilíbrio e sustentabilidade fiscal como premissa inegociável da reabertura do mercado de títulos.
Iniciativas que vão nessa direção podem envolver, por exemplo, o retorno seletivo ao mercado de títulos aos entes subnacionais que tenham condições fiscais extraordinárias, avaliadas por indicadores de solvência fiscal, grau de endividamento ou pela classificação global de risco com nível investiment grade, emitida por agências de referência mundial na área; estabelecimento de um teto anual e porcentual máximo de emissão de acordo com a Receita Corrente Líquida do ente; controle das emissões centralizado no Tesouro Nacional e destinação específica dos recursos para o financiamento de despesas de capital.
Frente ao cenário exposto, uma vez que os governos locais detêm os elementos necessários para aprofundar as operações de crédito, a questão que se coloca não é se haverá abertura do mercado de títulos municipais, mas sim quando exatamente isso irá acontecer. E, portanto, a necessidade de aumento do investimento público, associada ao momento propício para tanto, oferece uma janela de oportunidade para os próximos passos de modernização financeira e reabertura do mercado brasileiro de títulos municipais.
Vitor Puppi é secretário de Planejamento, Orçamento e Finanças de Curitiba.