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As notícias são desalentadoras: agente de trânsito é multada por cumprir a lei e autuar membro do Judiciário em franco ato ilegal; contratos com grandes empresas são mantidos, a despeito dos prejuízos ao governo; bilhões do erário são roubados enquanto manobras políticas pretendem proteger os responsáveis. E o homem comum se pergunta: por que manter-me honesto enquanto a hipocrisia, a corrupção e a insensatez campeiam a céu aberto?

Segundo Auguste Comte, "o homem propriamente não existe, nem pode ser mais existente que a humanidade". De acordo com o pai do positivismo, a ação concreta de cada indivíduo (assim como decisões governamentais) considera tão-somente as demandas do tecido social onde surge. Para ele, o indivíduo é uma peça na engrenagem e suas necessidades devem ser secundadas aos imperativos da comunidade. Assim nasce o coletivismo social, que anula o indivíduo e enfraquece seu poder transformador.

Entretanto, em tempos de "empoderamento" feminino, resta óbvio que não se deve concordar com Comte e sua tese do determinismo social. Antes, é necessário ser mais inclusivo e levar a termo um "empoderamento" do indivíduo. Importa que o cidadão comum retome as rédeas da sociedade e não determine suas ações por orientações genéricas de um ente social amorfo. A liberdade individual deve ser reafirmada e a inspiração positivista dificulta a responsabilidade pessoal. Sob esse estigma comteano, os indivíduos perdem a força de transformação e costumam transferir para seus representantes a tarefa de realizar as mudanças de que precisam. E, se eles não as efetivam, o cidadão sente-se incapaz de pôr em marcha as modificações de que necessita. Contudo, esse sentimento de impotência não o torna dócil.

Não se relativizam exigências éticas pessoais utilizando como argumento a maldade alheia e social. Afinal, ninguém desespera de cuidar da própria saúde por causa da negligência que alguém possa ter com a sua. O mesmo ocorre em outras áreas da vida humana. O descuido alheio nunca justifica a falta de zelo próprio. Se o vizinho não cuida da segurança da própria família, não ignorarei as exigências da segurança da minha família; se o vizinho não cuida da formação humana de seus membros, não serei eu a envergonhar-me por cuidar com escrúpulo da minha própria formação. Logo, se os governantes não são éticos, igualmente não deveria me abater na luta pelas virtudes, tão necessárias ao meu próprio bem.

As grandes manifestações que tomaram as cidades brasileiras são, na verdade, um grito contra esse estado de coisas, um grito de saudade: saudade de justiça, saudade de beleza, saudade de verdade. Seria um equívoco interpretá-las de outro modo. Para romper essa maré de pessimismo, importa prender corruptos, mas algo mais precisa ser feito. É urgente dar voz àqueles que resistem ao canto da sereia. Os homens comuns precisam ler nos jornais que pessoas honestas também têm êxito profissional, vencem na vida social e que há recompensa pela virtude. É verdade: não se seguem normas éticas por esses benefícios, mas o ânimo para resistir ao erro vem também desses pequenos exemplos. É importante saber que o salário da virtude nem sempre é a ridicularização, mas que eventualmente o esforço pela ética pode ser recompensado com o reconhecimento da opinião pública.

Robson de Oliveira, professor de Filosofia da PUC-RJ, é diretor do Centro Dom Vital.

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