Em 2050 teremos bilhões de pessoas inúteis. A afirmação é de Yuval Harari, autor dos best-sellers Sapiens e Homo Deus, e consta em sua nova obra, 21 lições para o século 21. Para o autor, mantida a trajetória exponencial da revolução cognitiva, o mundo, em 2050, estará repleto de pessoas sem capacidade de encontrar emprego, devido às atividades massivamente automatizadas.
As alegações de Harari são consideradas exageradas por alguns, enquanto para outros é uma demonstração de coragem defender uma conclusão até certo ponto óbvia, apesar de desconcertante. A revolução cognitiva está produzindo, de forma acelerada, exemplos de atividades nas quais a máquina superou o homem. Recentemente, 20 advogados foram superados por um programa de machine learning na tarefa de avaliação de um contrato típico de confidencialidade, tanto em termos de precisão quanto de velocidade. O aplicativo apresentou 94% de acerto contra 85% dos advogados, com uma larga vantagem temporal: 26 segundos contra os 92 minutos que os humanos levaram para a execução da tarefa.
O fim de diversas profissões por causa da tecnologia não é novidade na história humana. Para Klaus Schwab, presidente do Fórum Econômico Mundial, a humanidade já demonstrou por três vezes sua capacidade de criar profissões e vagas de trabalho em volume superior ao perdido para a tecnologia. O problema agora é que esta nova revolução em curso parece destruir empregos numa velocidade muito maior que a capacidade da sociedade em criar novos postos. Isso ocorre porque a revolução atual é fruto do desenvolvimento exponencial, não de uma, mas de diversas tecnologias dos mundos físico, biológico e digital.
O desenvolvimento simultâneo dessas tecnologias – como robótica, impressão 3D, drones, biologia sintética, gêmeos digitais, blockchain – está conduzindo ao fim dos limites entre esses mundos como os conhecemos, ainda de acordo com Schwab. Este fenômeno, chamado de quarta revolução industrial, que poderá trazer conquistas fantásticas para a humanidade, até o momento tem sido apontado pelo autor como responsável por uma perda líquida de empregos.
As empresas que serão líderes no futuro não serão aquelas capazes apenas de usar a tecnologia para tornar seus negócios mais eficientes, mas aquelas capazes de transformar suas operações em algo totalmente novo
Uma vez pacificado que o fim dos empregos decorrente da automação não será uma fatalidade restrita às profissões do chão de fábrica, é razoável questionar: em qual ambiente surgirão as oportunidades para a criação de novas profissões? Para George Westerman, cientista líder do MIT em Economia Digital, e seus colegas, possivelmente as empresas que hoje têm melhores chances de serem relevantes no futuro são as que estão à frente dos seus pares nas transformações de suas operações. Para os autores, as empresas que serão líderes no futuro não serão aquelas capazes apenas de usar a tecnologia para tornar seus negócios mais eficientes, mas aquelas capazes de transformar suas operações em algo totalmente novo. Os autores defendem que os gestores não devem ficar presos a propostas de uso da tecnologia como meio para produzir uma lagarta mais veloz. Devem perseguir formas de usar a tecnologia para transformar o negócio em algo totalmente novo: o objetivo é produzir uma borboleta.
Hoje, com o processo de convergência dos mundos físico, digital e biológico, é difícil identificar qual empresa está livre de buscar se transformar em uma borboleta, visando escapar de ser vítima da disrupção. Uber, AirBNB etc. são exemplos de empresas que se aproveitam das tecnologias da quarta revolução para hackear ativos, deixando o problema para quem possui o ativo e ficando com o lucro, na visão de alguns. Mas isso não deixa de ser um uso positivo da estratégia de asset hacking, quando se considera que se entrega de fato uma maior eficiência na utilização dos ativos para a sociedade.
Tendo em vista que essas companhias conseguem, com a estratégia de asset hacking, reproduzir produtos e serviços a um custo muito baixo, também com necessidades mínimas de mão de obra, a pergunta é: o que podemos fazer por elas?
Quando se agrupa as etapas do processo de criação de um produto ou serviço digital em dois conjuntos, temos uma parcela grande de atividades de pesquisa e desenvolvimento que vem antes da desmonetização, e outra após essa fase. É na parcela anterior à desmonetização, ligada à inovação, que teremos o campo de batalha pelos empregos no futuro.
Para Kai-Fu Lee, ex-presidente da Google China, quem dominará este campo será a China. Para o autor, o ocidente não compreende a dinâmica atual no oriente. A visão que se tem dos empreendedores chineses é caricaturada. Frequentemente, os empreendedores são vistos como incapazes, tendo em vista o histórico daquele país como centro para fabricação de produtos de baixo custo criados no ocidente. O que escapa, na visão do autor, é que na China, para se estabelecer como empreendedor, existe uma concorrência local extremamente agressiva a ser vencida. Isso levou ao desenvolvimento de uma classe de empreendedores chineses extremamente preparada. Esta classe está liderando a preparação de um exército de engenheiros, focados não em encontrar uma nova grande descoberta científica, mas em aplicar as tecnologias que já estão disponíveis, de forma a criar produtos inovadores.
"Não conseguimos resolver um problema com base no mesmo raciocínio usado para criá-lo", afirmou Albert Einstein. Mas parece que estamos seguindo por um caminho de formatação de uma nova sociedade em que, no fim, o Brasil não se encaixa. Reverter o estágio atual de deterioração do planeta é provavelmente o maior moonshot a ser perseguido pela humanidade. Moonshot, na definição oferecida pelos membros da Singularity Univesity, é um projeto cujo impacto alcança bilhões de pessoas, cujas tecnologias necessárias podem ainda não existir e que envolve a colaboração de múltiplas organizações. De acordo com Jeremy Rifkin, o caminho para a humanidade está na priorização da busca de uma existência sustentável. Ao percorrer esse caminho, desafios como a mudança do estado atual de uma economia movida a petróleo para uma economia baseada em fontes limpas de energia já irá demandar esforços inimagináveis da humanidade. Isso levará décadas para ser concluído e consumirá o esforço de muita mão de obra.
Rifkin é inspirador. A releitura dos textos do autor nos desperta para o erro de foco no raciocínio dominante, centrado na perda de empregos. A conclusão é óbvia: não se preocupe com os empregos, preocupe-se com o cliente. O novo cliente, que rejeita o asset hacking no meio ambiente e exige que as externalidades negativas sejam compensadas, já é responsável por diversas novas funções e etapas nas cadeias de valor das empresas. Desde necessidades cada vez mais intensas em termos de segurança digital, design, storytelling, user experience e marketing até novas etapas de processos como rastreabilidade, certificações, pesquisas, manipulação genética e até reciclagem, no caso de economias circulares. O volume de trabalho necessário para atendermos o novo cliente que surgiu é imenso e tende a aumentar, conforme mais consumidores elevem o nível de renda (podendo acessar mercados premium) e outros vejam sua expectativa de vida aumentar.
Cabe a nós, brasileiros, com o gigantesco impacto que nossa estrutura econômica pode causar no meio ambiente, decidirmos se queremos ou não estar na liderança dos projetos moonshot necessários para a resolução de problemas globais. Primeiro, para atender ao novo perfil de cliente social e ambientalmente responsável. Segundo, e apenas como uma saudável consequência, para provar que os catastrofistas como Harari podem estar enganados.
Elcio Brito e João Seixas são diretores de tecnologia da SPI Integração de Sistemas. Leandro Franz é consultor da People Strategy.
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