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Relatos de assédio sexual e outras formas de violência no trabalho têm crescido exponencialmente no ambiente corporativo. Não são poucas as empresas que, independentemente de seu porte, enfrentam crises de reputação por não terem enfrentado o problema com a seriedade que ele merece.
O assunto vem sendo objeto do debate em todo o mundo. Em 2019, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou a Convenção nº 190 (C190), o primeiro tratado internacional a dispor sobre a violência laboral. A C190, entre outras questões, estabeleceu medidas que buscam promover o direito de todas as pessoas a um mundo de trabalho livre de violência e assédio.
O Brasil, embora infelizmente ainda não tenha ratificado a C190, recentemente aprovou a Lei 14.457, publicada em 22 de setembro de 2022, que, entre outras questões, fixou medidas obrigatórias às empresas, com o intuito de prevenir e combater atos de assédio sexual e violência no trabalho. Segundo o texto da nova lei, a partir de 21 de março de 2023, todas as empresas obrigadas a instituir a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), ou seja, as que tenham mais de 20 empregados, terão que adotar medidas para prevenir e combater o assédio sexual e a violência no trabalho. Fixou-se também que a Cipa passará a se chamar Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio.
A primeira dessas ações é a inclusão de regras de conduta nas normas internas da empresa. Assim, além de se estabelecer políticas corporativas que detalhem todas as rotinas e procedimentos relacionados ao tema, também será recomendável incluir dispositivos específicos sobre assédio sexual e outras formas de violência no trabalho nos códigos de conduta ética, divulgando seu conteúdo a todo o corpo de empregados.
Outra novidade é a obrigatoriedade de procedimentos para o recebimento, o acompanhamento e a apuração de denúncias de assédio sexual e violência laboral, a preservação do anonimato a quem reportar tais atos, além da garantia de punição aos envolvidos. As empresas terão, portanto, que oferecer canais de denúncias independentes, que permitam o anonimato e a confidencialidade. Uma prática consagrada pelo mercado é a utilização de canais externos, fornecidos por companhias especializadas, capazes de proporcionar atendimento qualificado, que garantam proteção ao relato e assegurem que não será praticada nenhuma forma de retaliação.
Além disso, também é importante ter uma estrutura de investigação adequada. A apuração do assédio sexual e da violência do trabalho muitas vezes é complexa diante da ausência de provas materiais, restando apenas a prova testemunhal. Não menos importante é a instituição de controles, com segregação de funções e mecanismos de reporte, que assegurem punição dos envolvidos, qualquer que seja a função por eles exercida.
Também se determinou que temas relacionados ao assédio sexual e à violência laboral sejam incluídos nas atividades da Cipa e que, no mínimo a cada 12 meses, sejam realizadas ações de capacitação e sensibilização. Trata-se de medida fundamental, pois o assédio sexual e a violência no trabalho concretizam-se por meio de comportamentos indevidos que causam constrangimento e dor às vítimas, razão pela qual é preciso esclarecer que conduta é ou não aceitável no trabalho e os limites a serem observados. A nova lei deixou claro que essas medidas representam o mínimo que as empresas precisam fazer, sem prejuízo de outras ações que se demonstrarem necessárias para prevenir e combater o assédio sexual e a violência no trabalho.
Os danos psicológicos dessas condutas são, muitas vezes, irreversíveis, gerando efeitos que ultrapassam as barreiras da empresa, abalando o convívio familiar e social e deixando sequelas que podem durar por toda a vida. Não obstante a demora do país em ratificar a Convenção 190 da OIT, a nova legislação trouxe importante inovação, capaz de fomentar a construção de um ambiente laboral mais saudável e produtivo no País.
Agora, a “bola” está com o setor empresarial. Cabe a ele cumprir seu papel, adotando medidas efetivas que atendam ao que determinou a nova legislação e que sejam capazes de promover uma relação de trabalho fundada no respeito mútuo e na dignidade do ser humano.
Mário Spinelli é professor da Escola de Administração de Empresa de São Paulo da FGV, doutor em Administração Pública e Governo e atual diretor executivo de Compliance Regulatório na Protiviti. Foi ouvidor-geral da Petrobras, controlador-geral do município de São Paulo e controlador-geral de Minas Gerais.