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É como sistema de avaliação do ensino médio que o Enem tem tropeçado mais. Jamais obteve consenso entre os especialistas da educação, pois vários fatores interferem num processo avaliativo de alcance nacional

Quando pensamos no Enem, muitas vezes deixamos de considerar suas três facetas distintas, que possivelmente não deveriam estar agregadas e que tem apresentado desempenhos diferentes: o Enem como vestibular, ou seja, como prova de acesso às instituições universitárias; o Enem como parte integrante de uma política pública de ingresso ao ensino superior, via bolsas de estudo como Prouni ou de financiamento como o Fies; o Enem como parte no sistema de avaliação do ensino médio nacional.

Como processo seletivo, o Enem tem apresentado razoável qualidade da prova, em que pesem os seus muitos acidentes de percurso. A logística de aplicação tem deixado muito a desejar, devido em parte a sua própria magnitude, em parte à inexperiência e atropelo eleitoreiro, que não pode esperar um amadurecimento mais efetivo em sua implantação.

Seus eixos cognitivos são bem estruturados, propõe questões interessantes, privilegia o entendimento sobre o mundo e o relacionamento entre os homens, e entre esses e a natureza, em detrimento da valorização excessiva do conhecimento meramente decorado.

Já como política de acesso, o resultado do Enem deveria, em princípio, propiciar que alunos de baixa renda pudessem cursar boas escolas, sejam elas públicas ou privadas, pois bolsas de estudo ou financiamento a juros extremamente baixos são oferecidas aos melhores alunos, permitindo que, com os impostos pagos por todos os cidadãos, o país dê chances reais àqueles jovens dedicados aos estudos.

No entanto, recentes pesquisas têm mostrado que a inclusão ainda é relativamente baixa, pois o aluno realmente carente dificilmente terá um desempenho no exame que possibilite a participação nesses programas. Talvez o processo de inclusão deva começar com um programa ambicioso de melhoria de qualidade do ensino fundamental e médio, garantindo o acesso e complementado por uma política de permanência, pois cursar uma faculdade implica em gastos com materiais didáticos, transporte, alimentação e, em grande parte dos casos, impossibilidade de trabalhar em período integral.

Mas é como sistema de avaliação do ensino médio que o Enem tem tropeçado mais. Jamais obteve consenso entre os especialistas da educação, pois vários fatores interferem num processo avaliativo de alcance nacional, como as gritantes diferenças de disponibilidade de docentes qualificados para exercício pedagógico nos vários estados da federação, e a absurda diferença na infraestrutura voltada ao ensino entre as escolas privadas e públicas, já que muitas dessas últimas sequer contam com uma verdadeira biblioteca.

Existe ainda a mensurar o que é chamado de "efeito escola", ou seja, o conhecimento efetivamente agregado ao aluno pela instituição, durante a sua permanência nela. Melhores condições de partida, como maior acesso a bens culturais na família, tenderão a proporcionar melhores condições de chegada à formatura, com menor esforço da escola. O jovem que não dispõe dessa sorte, demandará maior empenho.

Quando comparamos o resultado final unicamente levando em conta o critério da "nota" do aluno na saída, as escolas que atendem aos de melhores condições iniciais, caso da maioria das instituições privadas, serão mais bem avaliadas do que aquelas que recebem alunos em condições não tão boas, como a maioria das instituições públicas, embora estas, talvez, tenham proporcionado a seus discentes uma melhora relativa muito maior.

Conta muito também a adesão do próprio estudante à prova. Instituições que conseguem criar um clima de envolvimento e compromisso do alunado com a sua imagem, envolvendo-o no "orgulho" de pertencer a elas, geralmente terão participantes que farão a prova com mais atenção e afinco. E isso faz muita diferença, quando sabemos que uma parte dos alunos, sem muitas perspectivas futuras de cursar o ensino superior, apenas comparece, abandonando a sala dentro do prazo mínimo de permanência, independente da dificuldade apresentada para a resolução das questões.

Assim, são muitos os aspectos a serem analisados para uma compreensão real do sistema educacional brasileiro. Comparar resultados de dois dias de provas – com o consequente cansaço e desgaste gerado – entre escolas de diferentes regiões, diferentes níveis sociais e econômicos e diferenças culturais extremas – não tem mostrado ser eficiente para a correção de rumo necessária para tornar a educação brasileira melhor e mais competitiva.

Wanda Camargo, educadora, é presidente da Comissão do Processo Seletivo da UniBrasil.

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