Em que pese seja compreensível ocor­­rência eventual de imperfeições em um processo de alcance nacional, é preocupante o contínuo desvirtuamento da sua função de sinalizador do avanço ou retrocesso do processo educacional brasileiro

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O Brasil está em um dos momentos mais desafiadores de sua história. Um conjunto de fatores aponta o limiar de uma fase de progresso e crescimento. Mesmo em tempos turbulentos para a economia mundial, e que não sejamos "uma ilha de tranquilidade", como já se afirmou em tempos mais tristes, nossas perspectivas são positivas.

O aumento da riqueza nacional trará grandes oportunidades de trabalho, exigindo boa formação e qualificação profissional, com a maioria da população tendo condições de influir livre e conscientemente em seu destino, e para isso o único caminho é a educação de qualidade. Não seremos nós importadores de mão de obra, como fomos exportadores no período em que atolávamos na inflação e paralisia econômica, quando muitos de nossos melhores jovens foram ao exterior, em busca das oportunidades que não encontravam aqui.

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Contudo, educação de qualidade exige processos permanentes de avaliação e melhoria, sem esquecer que a simples percepção da avaliação pode alterar a condição do que é avaliado, o que torna sua concepção tarefa para especialistas.

O Ministério da Educação estabeleceu o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), com provas aplicadas em todo o território nacional, em sucessão ao "Provão", numa proposta de sistematização da avaliação do ensino médio que ainda não está sendo eficazmente implementada.

Esse exame é critério de seleção para a concessão de bolsas de estudo dos programas Prouni (Universidade para Todos) e FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Su­­perior); provavelmente o que de melhor já se fez no rumo do acesso universal à educação superior no país, e que tem sido utilizado por várias instituições de ensino superior como complemento, ou etapa única, de seus vestibulares.

A concepção pedagógica das provas é boa, os conteúdos são trabalhados de modo que o estudante possa demonstrar seu domínio expressivo, ou seja, utilização da norma culta da língua portuguesa, das linguagens matemática, artística, científica e, ao menos, uma língua estrangeira, evitando-se o recurso a conceitos meramente decorados. Os testes têm sido razoáveis, avaliando com pertinência os conhecimentos e habilidades básicos esperados de um concluinte do ensino médio.

O Enem tem, no entanto, tropeçado continuamente em questões administrativas e logísticas, com vazamentos de informações, erros de impressão, falta de revisões adequadas, falhas de montagem dos gabaritos, boatos sobre perdas de provas, dificuldades para inscrição. Em que pese seja compreensível ocorrência eventual de imperfeições em um processo de alcance nacional, é preocupante o contínuo desvirtuamento da sua função de sinalizador do avanço ou retrocesso do processo educacional brasileiro.

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A expectativa sobre este exame, com as implicações deste no futuro exercício profissional de cada aluno, pela obtenção (ou não) de bolsas de estudo, pela possibilidade (ou não) da vaga no curso escolhido, é grande demais para permitir tantas falhas, em tal dimensão.

E o Ministério da Educação tem, dentro de seu próprio âmbito, as pessoas competentes para auxiliá-lo nessa empreitada, já que as universidades federais realizam, desde muitos anos, excelentes concursos vestibulares para centenas de milhares de candidatos, nos mais variados lugares e condições. Pro­­fessores e funcionários têm prestado um serviço que é exemplo de eficácia e lisura, tornando incompreensível o erro, numa atividade perfeitamente dominada pelos componentes de suas comissões de vestibular.

No ano anterior, durante o exame, uma faixa de protesto jocoso de alguns estudantes declarava: "Enem vem que não tem". Ocorre que tem sim: o Enem é válido, útil e necessário, embora precise com urgência de um choque de gestão.

Wanda Camargo, educadora, é presidente da Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil).