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Energia solar sob o chapéu da incerteza
| Foto: Pixabay

Se há uma característica do Brasil que empresários de qualquer parte do mundo levam em conta sempre que pensam em investir por aqui é a incerteza. A legislação federal muda junto com a direção dos ventos. Cada unidade da Federação tem suas próprias leis. Nos municípios, as legislações anteriores ganham contornos particulares. Ou seja: a única certeza é a incerteza.

Não há EPI que proteja o empresário. Uma ideia, então, seria a criação de um equipamento de proteção coletiva e, dependendo dos setores, alguns até conseguem desenvolver esta proeza. Analogias à parte, quando um setor se organiza, prospera e consegue vislumbrar um crescimento palpável, sem bolhas, envolvendo desenvolvimento econômico e social abrangente e não apenas o crescimento individual da conta bancária, invariavelmente esbarra em uma mudança de regra pouco discutida, de cima para baixo, sob um roto manto de que tal mudança será melhor para o país.

Incerteza, mudança ou invenção de regra durante o jogo, enfim, “virar a mesa” não é bom e nem fica bem nem sequer no futebol.

Uma dessas mudanças de regras que aqui são corriqueiras ameaça ofuscar o brilho de um dos setores que mais crescem, de maior valor agregado e que, comprovadamente, é à prova de malefícios: o setor de geração de energia a partir do sol, a energia solar.

A mudança na metodologia da compensação dos créditos irá frear a expansão do setor e a geração de empregos

A resistência que novas alternativas acabam gerando vem sendo superada com um trabalho desenvolvido pelo setor, dividido em várias camadas, que vão desde a exibição do potencial que a geração de energia solar encontra no Brasil, passando pela explicação do funcionamento de todo o sistema e o esclarecimento de dúvidas de um possível interessado; pelo esforço para baratear o preço dos equipamentos (gargalo que também é proporcionado pela nossa legislação a partir das taxas absurdas de importação, mas este é um outro assunto); pela formação de profissionais e empresas capacitadas para a disseminação desta tecnologia; e por outros fatores trabalhados competentemente pelos que acreditam que energia limpa e sustentável pode muito bem ser utilizada em larga escala no país.

E o setor cresce: de 2012 para cá foram instalados mais de 127 mil sistemas de energia solar, somando mais de R$ 6,4 bilhões em investimentos no total, distribuídos ao redor de todas as regiões do país, com 2,8 milhões de beneficiários. São mais de 1,6 milhão de kilowatts de potência instalada. Estes números foram obtidos graças às mais de 12 mil empresas de instalação, gerando mais de 60 mil empregos no setor.

Mas a geração distribuída solar fotovoltaica tem apenas cerca de 171 mil unidades consumidoras, que representam menos de 0,2% do universo de consumidores atendidos pelas concessionárias de energia elétrica estabelecidas. Portanto, a fonte solar fotovoltaica encontra-se em processo de desenvolvimento no país. E precisa se desenvolver: é uma fonte de energia limpa, gratuita, sustentável, de benefícios comprovados e tendência óbvia nos países mais desenvolvidos do mundo. E, nesta fase, merece incentivo e não mudança nas regras.

Explica-se: a Resolução Normativa 482/2012, que criou o sistema de compensação de energia elétrica e permitiu a todo consumidor de energia cativo gerar sua própria energia e receber os créditos equivalentes em sua conta de luz, na forma de descontos, está passando por seu terceiro processo de revisão. Neste processo, que se iniciou em maio de 2018 e tem conclusão prevista para o primeiro semestre de 2020, a principal discussão em pauta é a alteração da forma como são valorados os créditos de energia.

Atualmente, 100% da energia que o sistema de energia solar joga na rede pode ser compensada na conta. No entanto, segundo as distribuidoras, esse modelo não representa uma remuneração adequada da rede de distribuição e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está analisando hipóteses para diminuir o porcentual de compensação de energia injetada na rede (os índices sugeridos para possíveis compensações, inicialmente, são de 100%, 72%, 66%, 59%, 51% e 37%). Todas as alternativas apresentadas pela Aneel representam perdas para o consumidor que investiu ou quer investir na geração da própria energia elétrica.

A postura da Aneel com relação à Resolução 482 mudou radicalmente sem consulta ou discussão prévias. O comportamento da Aneel causa imenso desconforto e preocupação ao setor, que enxerga o risco de ter a geração distribuída inviabilizada. Não há qualquer fato novo ou análise técnica capazes de justificar a mudança.

A mudança na metodologia da compensação dos créditos irá frear a expansão do setor e a geração de empregos. O retorno do investimento do consumidor final ficará mais distante, possivelmente até inviabilizando o projeto em determinadas situações.

É urgente que todo o setor se una e, com a colaboração da sociedade, possa impedir a mudança e garantir que as regras fiquem como estão. Caso as regras vigentes para a geração distribuída sejam alteradas, 672 mil empregos podem deixar de ser gerados até 2035; R$ 25 bilhões em tributos deixarão de ser arrecadados até 2027; o setor perderá R$ 13,3 bilhões até 2035, ano em que 75,38 milhões de toneladas de gás carbônico terão sido lançadas na natureza para a geração de energia elétrica de fontes tradicionais.

A geração distribuída representa hoje menos de 0,6% da matriz elétrica do Brasil. Por isso, qualquer mudança agora é extremamente prematura. Chega de mudança de regras com o jogo em andamento. Por que mexer em um setor que cresce e dá exemplo de integração para o desenvolvimento da sociedade como um todo? Como alguém pode renunciar à energia solar em um país com tanto sol?

Precisamos manter as regras como estão. Do contrário, o Brasil vai ser mais uma vez lembrado como um país instável, antipático a investimentos que possam reverter em benefícios reais para a sociedade. Não se pode aceitar que o próprio governo tente ofuscar o brilho de um sol que é igual para todos.

Aldo Pereira Teixeira é presidente-fundador da Aldo.

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