Uma pesquisa realizada por cientistas políticos da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e da USP (Universidade de São Paulo) acerca do aumento da filiação partidária no Brasil mostrou que, paradoxalmente, em um ambiente de rejeição à política e de desconfiança em relação aos partidos políticos, houve o aumento da filiação partidária em nosso país. Como explicar tal paradoxo? A investigação traz à tona o fato da relação entre o engajamento político e o ódio. Segundo a pesquisa, “entre os filiados, cerca de 70% consideram, em algum grau, a aversão e o ódio ao rival político como motivos relevantes para aderir a uma legenda”. Nas palavras de Pedro Paulo de Assis, pesquisador do Departamento de Política da USP, em entrevista à imprensa: “Queríamos entender por que a filiação partidária estava aumentando, mesmo diante do crescente descrédito e desconfiança com relação aos partidos. Então, descobrimos que o ódio e a rejeição ao adversário motivam não só a filiação, mas também são fatores que tornam os filiados muito mais engajados na vida partidária”. Esse fenômeno foi denominado, pelos pesquisadores, como “engajamento pelo ódio”.
Essa pesquisa, de certa forma, corrobora teses de outros cientistas políticos e teóricos. Giuliano Da Empoli publicou, em 2019, a obra Os engenheiros do caos, cujo subtítulo, “Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar as eleições” – vai ao encontro da ideia do “engajamento pelo ódio”. Na mesma linha, o livro de Felipe Nunes e Thomas Traumann, Biografia do abismo (2023), apresenta que nossa polarização política já se tornou uma “calcificação” e que visões de mundo que alicerçam as ideologias políticas acabam por dividir indivíduos e grupos não apenas no período eleitoral, mas que isso invade o núcleo familiar, a sociabilidade nas escolas e universidades, nas empresas, enfim, nossa vida está em constante tensão dada a polarização/calcificação vivenciada politicamente.
O quadrante histórico, por assim dizer, nos faz sentir, pensar e agir a respeito da política de uma forma desencontrada, fraturada e, por isso, gerando traumas evidentes. Políticos eleitos, nossos representantes, estão cada vez menos apresentando um projeto para o país ou mesmo suas propostas de ação política. Muito melhor é lacrar, engajar, fazer cortes e, assim, apresentar-se como vitorioso não em um franco e profundo debate de ideias acerca de nossos problemas reais, mas, sim, em um rápido vídeo para as redes sociais.
Não raro, políticos e seus assessores – os “engenheiros do caos” – conjugam fake news, pós-verdades, negacionismos e teorias da conspiração, tudo isso para ganhar forças nas redes sociais, impulsionados por algoritmos que captam a força do medo, do ódio e do ressentimento. Neste caso, não há adversários políticos que devem, democraticamente, conviver, mas inimigos que devem ser destruídos em suas trajetórias, reputações e em seus ideais e sonhos.
Os partidos políticos e seus operadores, que são intermediários, estão nutrindo-se, infelizmente, desses elementos atinentes ao ódio e, com isso, apequenam a política. Reina, em muitos casos, uma mediocridade e mesquinharia que ganha likes e viraliza, mas é vazio de conteúdo, de ideias, de projetos, de conceitos, de conhecimento e informação. A situação será dramática no curto e médio prazo neste universo político. No longo prazo, já asseverou Keynes, estaremos mortos...
Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), cientista social, mestre e doutor em Sociologia e membro da Comissão de Políticas e Mídias Sociais do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo.
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