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Palpite é opinião amadora. Palpiteiro é aquele que gosta de dar opinião sobre o que não conhece. O mundo moderno, com suas amplas possibilidades de comunicação e redes sociais, tornou palco primoroso para opiniões sem fundamento, sem estudo e sem conhecimento. Ou seja, uma sociedade de palpiteiros. Por que tenho de ter opinião sobre alguma coisa? Deveríamos fazer um voto de abstinência em matéria de opinião, principalmente sobre temas que não conhecemos e não estudamos.
Não há consequência negativa quando os palpites são sobre temas irrelevantes. A coisa fica séria quando os palpites versam sobre leis, políticas públicas, assuntos técnicos e outros com consequências para os indivíduos e a sociedade. Palpites sobre quem é o melhor jogador de futebol da história, se Pelé ou Messi, ou sobre qual candidata ganhará o concurso de miss universo, têm tanta importância quanto o nada.
Sobre isso, gostei da resposta dada pelo cientista político e escritor português João Pereira Coutinho, quando perguntado sobre o que ele achava do casamento gay. “Esse assunto desperta em mim o mais profundo bocejo”, disse ele. Ou seja, se não afeta minha vida nem a vida da sociedade, cada um decide com quem se casar, pouco importa se são duas pessoas do mesmo sexo ou não. Ademais, por que razão o Estado deve vedar isso? O assunto é íntimo e pessoal. Nossa opinião a respeito é irrelevante.
Na Grécia, por volta do século VI antes de Cristo, vigorou a escola sofística, cujos discípulos – os sofistas – cultivavam a gramática, a retórica e a dialética, e elaboravam seus argumentos e justificativas com oratória empolgante, independentes do conteúdo científico e factual. Ou seja, o político demagogo, de fala fácil, bonita, empolada e enfática, nasceu ali.
Sócrates (469-399 a.C), considerado o pai da filosofia, foi crítico duro dos sofistas, por duas razões pelo menos. A primeira porque os sofistas agiam com base em opinião, não em conhecimento. A segunda porque eram filósofos da natureza (a physis), focados em astronomia, sobretudo cosmologia, quando antes era preciso entender o ser humano.
Assim, Sócrates defendia substituir a opinião pelo conhecimento obtido por estudos e pesquisa, e que a filosofia deveria priorizar o estudo do ser humano. “Conhece-te a ti mesmo”, a famosa frase de Sócrates o coloca como um antropólogo (antropologia é ciência que estuda a origem, evolução e desenvolvimento físico, psicológico, racial, social e cultural do homem). E ele dizia que a base do conhecimento é fazer perguntas. Seu método dialético era perguntar, perguntar e perguntar.
Se um político falasse sobre a necessidade de fazer leis justas, Sócrates o bombardeava com perguntas: Por que isso é necessário? O que são leis? Para que servem? O que é justiça? E a cada resposta, ele emendava um novo “por quê?”. Invariavelmente, o interlocutor acabava se enrolando, caía em contradição e se irritava. E ele seguia indagando sobre o que é a irritação, por que nos irritamos... enfim, Sócrates devia ser irritante, no mínimo um chato.
Hoje vivemos sob um perigo: há muitos palpiteiros e idiotas em condições de impor suas opiniões, ideias e atos sobre os outros e sobre a sociedade. É o caso dos governantes, autoridades públicas, políticos e legisladores. Idiota aqui é no sentido de pessoa vaidosa, sem inteligência, sem conhecimento, sem discernimento, ignorante cheio de opiniões.
Thomas Jefferson (1743-1826), um dos autores da Constituição dos Estados Unidos, disse que a Constituição deveria ser à prova de idiotas, pois em algum momento os idiotas vão governar. Nelson Rodrigues (1912-1980), grande escritor brasileiro, dizia que “os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”. Por tudo isso e pela Lei dos Grandes Números (LGN), sempre tive um pé atrás com reformas tributárias. Elas nunca diminuem a carga de impostos.
A LGN é um teorema da teoria das probabilidades, segundo o qual um experimento tende a se aproximar do resultado esperado à medida que o número de tentativas aumenta. Ou seja, se existe a probabilidade de um evento ocorrer, quanto maior o número de tentativas, maior a chance de que de fato ocorrerá. Por exemplo, se houver apenas 5% de chance de um político ter uma ideia idiota e transformá-la em lei, a chance de a lei ser idiota é de 5% por cento, logo, pouco provável. Mas, com 110 mil leis existentes, a chance de haver 5.500 leis idiotas (5% do total) é enorme. Enfim, após 2.500 anos, Sócrates é mais atual do que nunca. Devíamos aprender com ele.
José Pio Martins, economista, reitor da Universidade Positivo.