São Beda, monge inglês que viveu de 673 a 735, disse: “Há três caminhos para o fracasso: não ensinar o que se sabe, não praticar o que se ensina, não perguntar o que se ignora”. O professor Mario Sergio Cortella, meu colega londrinense, gosta de citar São Beda para dizer, invertendo as frases, que o caminho do sucesso passa por ensinar o que se sabe, praticar o que se ensina e perguntar o que se ignora.
Muitos pensam que as frases são do próprio Cortella, mas ele já disse que elas são autoria de São Beda. Cortella enriqueceu os conselhos de São Beda ao dizer que ensinar o que se sabe é generosidade mental, praticar o que se ensina é coerência ética, e perguntar o que se ignora é humildade intelectual.
Refletindo sobre esse ensinamento, útil e belo como regra de vida, em especial para quem exerce função de liderança, lembrei dos políticos atualmente exercendo cargos públicos. Quantos podem se orgulhar de agir como São Beda orienta? Quantos podem dizer que detêm as virtudes da generosidade mental, coerência ética e humildade intelectual?
Penso que no âmbito da política a virtude mais escassa é a coerência ética. Em época de eleições, praticamente todos os candidatos exaltam a importância das qualidades de um homem público, como competência, compromisso com o povo, honestidade, vocação para o bem comum e outras tantas.
A questão é saber quantos praticam o que pregam. Aliás, é comum ver desonestos exaltando a honestidade e a retidão moral, numa tentativa de convencer os eleitores de que eles são portadores das virtudes que propagam. Se São Beda tivesse conhecido a quantidade de políticos e empresários que se deram bem pregando a moral e praticando a corrupção, ele veria que a coisa não é tão simples.
De qualquer forma, para aqueles que não perdem a esperança e, mesmo diante de tanta hipocrisia e corrupção, não abrem de sua própria decência, os ensinamentos de São Beda são primorosos. Se o indivíduo virtuoso ensina o que sabe e pratica o que ensina, seu valor se eleva, pois a coerência ética é virtude que nos manda fazer aquilo que recomendamos aos outros.
É fácil? Não, não é. Falar de virtudes pode ser fácil. Ser virtuoso é uma luta moral diária, sobretudo num país em que prolifera a ideia de que o crime compensa. A cada corrupto notório que é deixado em liberdade, mesmo depois de um processo e tantas provas de seu crime, o ânimo da virtude enfraquece e a disposição para a moral arrefece. No Brasil, diante da profusão de bandalheiras, a moralidade é uma qualidade testada o tempo todo.
Perante essa realidade, vale lembrar os estudos feitos durante 40 anos pelo sociólogo, político e escritor francês Alain Peyrefitte (1925-1999), publicados no livro A Sociedade de Confiança, em 1995. Segundo ele, a superação do atraso e a conquista do desenvolvimento econômico e social de uma nação passam pela “taxa de confiança”.
Confiança da população nas instituições – como o parlamento, o governo, a moeda, a justiça, as leis – confiança no cumprimento dos contratos juridicamente válidos, na palavra empenhada e nos compromissos assumidos. Confiança uns nos outros e no que esperar do semelhante. Peyrefitte mostra em seu livro que as nações desenvolvidas têm um grau de confiança muito maior que as nações atrasadas, logo, nisso está parte da explicação pelo subdesenvolvimento.
Um amigo fez um desabafo em forma de perguntas. “Vale a pena ser honesto e correto no Brasil? Trabalhar duro, lutar tanto, pagar imposto altos e ver tanta corrupção, fraudes e desvios? Isso não desanima?" Respondi-lhe que ser honesto e correto na Dinamarca é o normal, pois lá quase não corrupção e violência. No Brasil pode ser mais difícil, mas justamente por isso a decência aqui tem mais valor.
José Pio Martins, economista, professor, palestrante e consultor.