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 | Hugo Harada/Gazeta do Povo
| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

A historiadora Maria Célia Paoli, em um belo artigo chamado “Trabalhadores e cidadania”, sintetizou o nosso país de forma contundente. Para ela, a sociedade brasileira vive permanentemente uma “indistinção entre o público e o privado, uma incapacidade para fazer valer a igualdade jurídica formal, uma forte hierarquia de privilégios e lugares sociais, uma complexa e variada estrutura de preconceitos, e uma mescla indistinguível entre o arbítrio e a transgressão”. Nesse artigo, Paoli almeja compreender a heterogênea classe operária brasileira no correr do século 20, usando os conceitos “direitos sociais” e “cidadania” como norteadores de sua reflexão. Hoje, sabemos que o contexto político nacional está em ebulição e direitos sociais e trabalhistas podem estar na berlinda. Contudo, direitos adquiridos através de lutas, movimentos e organização ao longo da história não se perdem sem resistência e enfrentamento popular.

Em Curitiba, por exemplo, centenas de escolas foram ocupadas por secundaristas, universitários ocuparam reitorias e trabalhadores das mais diversas áreas se organizam em um intenso clima de greve geral. Os trabalhadores da construção civil, no dia 20 de outubro, em assembleia geral em seu sindicato, o Sintracon, decidiram cruzar os braços por tempo indeterminado. Apontar essa categoria no presente momento, dentre tantas, não é mera causalidade.

Se o ataque vem dos andares de cima, a resistência precisa se dar nos andares de baixo

No ano de 1979, operários da construção civil foram personagens ativos de uma das greves mais conflituosas da região, que teve início no mês de novembro com duração de aproximadamente duas semanas, gerando abrupto incômodo e veloz reação do patronato curitibano – sem contar as forças de repressão e segurança da ditadura, sempre prontas para agir no estalo de dedos das classes dominantes.

Pedreiros, serventes de pedreiros e até mesmo motoristas cruzaram os braços e marcharam pelas principais avenidas da cidade, lotando os mais diferentes espaços públicos da capital para reivindicar direitos. Juntamente com as pautas relacionadas às opressões no mundo do trabalho – como salários indignos e péssimas condições de segurança nos canteiros de obras –, estava presente no movimento a contestação política contra a ditadura militar, seu projeto econômico e estrutura repressiva.

Em entrevistas com participantes do movimento sobre a violência das forças policiais nos dias mais intensos da greve, a resposta era sempre categórica: “os governantes e o regime sentiram a organização dos trabalhadores”. E não era para menos. Desamparadas pelos dirigentes sindicais à época, as bases trabalhadoras se estruturaram por elas mesmas, contando com até 30 mil operários e paralisando centenas de empresas.

Foi noticiada pela Gazeta do Povo, em 23 de novembro de 1979, a surpresa da população com o grande número de policiais estrategicamente posicionados nas ruas curitibanas, notório pânico de uma sublevação ainda maior dos operários. Com o desfecho da greve no fim daquele mês, através de uma conciliação de forças, outra diretoria sindical se formou a partir de suas próprias bases, reorganizando as forças trabalhadoras – elemento do chamado “novo sindicalismo”. Não somente operários como professores universitários, figuras políticas contrárias à ditadura, setores progressistas da Igreja Católica e alunos da Universidade Federal do Paraná engrossaram o caldo de descontentamento com os rumos políticos e econômicos da época.

Também sabemos que em outras localidades do país, entre 1978 e 1979, movimentos grevistas pipocaram tanto em pequenas fábricas locais como nos grandes parques industriais – sendo considerados os principais movimentos de massa da época, reorganizando o modus operandi dos movimentos sociais brasileiros. Se no fim da ditadura a classe trabalhadora ainda era considerada “não cidadã”, suas diversas lutas no correr do tempo trouxeram conquistas relevantes, liberdade democrática e melhores condições de vida e trabalho. O que não significa o fim da história. Hoje, ataques diretos como a PEC 55 (ex-241), por exemplo, sem contar a ofensiva contra os direitos trabalhistas orquestrada pelo governo federal e a classe empresarial, são perigos iminentes.

Que aquela greve de 1979 exerça real influência na presente greve de operários da construção civil de 2016, se aliando aos secundaristas, professores, garis, servidores públicos, sem-teto, sem-terra, bancários e toda a heterogênea classe subalterna brasileira. Se o ataque vem dos andares de cima, a resistência precisa se dar nos andares de baixo.

Entre os mais diversos movimentos e coletivos progressistas, ainda concordo com Darcy Ribeiro, que em seu O Povo Brasileiro escreveu: “a única saída possível para essa estrutura autoperpetuante de opressão é a expansão do movimento operário. É por esse caminho que as instituições políticas podem aperfeiçoar-se, dando realidade funcional à República”.

Luís Felipe Machado de Genaro é historiador e mestrando em História.
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