Em fechamento à queda do Coritiba para a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro de futebol, deu-se a invasão ao Cou­­to Pereira por muitos torcedores. Violên­­cia e sangue espalharam-se pela cidade. Come­­ça­­ram as críticas. Para muitos, exemplo irretocado da barbárie. Entre outras, pediu-se a extinção das torcidas organizadas. Houve quem escrevesse artigo ansiando por lei mais rigorosa em relação ao futebol. Alguns jornalistas questionavam a falta de segurança e o pequeno efetivo policial. Em geral, querem mais câmeras, mais grades, mais policiais, mais radares, mais leis.

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Vigilância que contraria o senso de liberdade e privacidade individuais.

Mal saímos de uma ditadura, mal acabamos de gritar "é proibido proibir" e lá vem a autoridade e o aparato repressor novamente. Aparato agora movido por razões sociais e apoiado no interesse público. Esse anseio por segurança e policiamento tem ampliado, dia a dia, a quantidade de pequenas prisões que construímos. Ladeadas, são um somatório de celas que atualmente denominamos cidade, carro, casa. O ar livre é exceção.

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Crê-se falsamente que o Estado melhorará o cidadão. Esqueceram de ler Hobbes e o Leviatã. Os homens abrem mão da própria liberdade para ficar protegidos sob a asa de um ente demoníaco. Esqueceram os Estados totalitários que mataram 100 milhões de pessoas no século 20. Esqueceram que o terrorismo onipresente é criação do Estado. Esqueceram a Inquisição, que um dia foi Santa. Esqueceram que a defesa do Estado foi feita por Hitler, Stalin e Mao.

Ao mesmo tempo, transfere-se ao outro a culpa. Ingenuidade total. De um lado, leis não melhoram um país, nem tampouco as relações de seus cidadãos. O desejo por mais e mais rigorosas leis é um belo exemplo de imaturidade e, principalmente, de falta de responsabilidade individual. Leis, aliás, já as temos demais.

De outro lado, culpa-se o intangível. Ora a polícia é pouca, razão de não se impedir o crime. A culpa é do sistema, não da falta de civilidade. Ora é o direito de não produzir prova contra si ao causar um acidente recusando o teste do bafômetro, ainda que o motorista se encontre bêbado, ainda que alguém seja assassinado. A culpa é do sistema, não da falta de princípios. E querem mais leis. Não bastam as milhares que já temos.

Essa ingenuidade é expressão de mal disfarçada irresponsabilidade. O problema não é a falta de segurança, não é a falta de efe­­tivo policial, não é a falta de grades, não é a falta de câmeras, não é a falta de leis, nem das pequenas prisões para conter os vân­­dalos que moram no ín­­timo de nós. É antiga a frase atribuída a Teotônio Vilela, estampada em placa de metal na Praça Osório que dizia: "Somos todos nós, por ação ou omissão, estímulo ou incompreensão, responsáveis pelos fatos da história".

A cultura da opressão e da autoridade não acabou nem era de responsabilidade da ditadura. Isso é algo que remanesce forte no Brasil. É preciso aprender a ser civilizado. É preciso acabar com a covardia primordial de postergar a imputação de responsabilidades. E a responsabilidade pela ocorrência dos crimes não é do comandante da Polícia Militar, nem tampouco do efetivo designado para conter uma torcida enfurecida. A responsabilidade pelos crimes é nossa, minha, sua, do torcedor que invadiu o gramado do Couto Pereira e do rapaz que atravessa o sinal vermelho. Não há exceções. Que­­rem leis, radares, grades e câmeras para que um ente externo enjaule os bárbaros. Isso apenas para um dia descobrirem que basta educação e autocontrole.

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Paulo Henrique Rocha Loures Demchuk é advogado e mestre em Direito