Cerca de 50 milhões de alunos frequentam a educação básica brasileira. São aproximadamente 180 mil escolas, 79% delas públicas. No Paraná, são mais de 1 milhão apenas na rede pública estadual. O número de docentes no ensino público ultrapassa meio milhão em todo o Brasil – no Paraná são mais de 50 mil.
Os números revelam a complexidade da educação. Mas nada disso abala as certezas da Escola sem Partido: para a entidade, “a instrumentalização do ensino para fins políticos, ideológicos e partidários” é um “problema gravíssimo que atinge a imensa maioria das escolas e universidades brasileiras”. Segundo a ESP, “um exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra (...) para impingir-lhes [aos alunos] a sua própria visão de mundo”.
No seu site, cerca de 50 depoimentos servem de prova às afirmações. Mas as evidências são sempre fragmentárias: uma unidade ou tópico de uma disciplina, o depoimento de algum estudante que se sentiu prejudicado. Não há contexto, verificação ou diálogo. A estratégia é desonesta e perversa: ela fabrica a exceção que tratará, em seguida, de apresentar como a regra que servirá de prova a justificar um empreendimento policialesco e ideológico.
A Escola sem Partido quer uma escola precarizada, sucateada e “neutra”
E que tem avançado, com fúria e violência, contra a prática docente sob o pretexto de proteger estudantes da “doutrinação ideológica”, contando com o apoio das bancadas conservadoras e fundamentalistas nos parlamentos federal, estaduais e municipais. A sustentá-lo está, principalmente, o temor de que a escola desvie seus alunos da educação familiar. De acordo com essa argumentação, pais e mães têm o direito de exigir que professores não ensinem nada que contrarie seus próprios valores.
Mas isso é um engano, fruto de uma mentira propagada pela ESP. Pais e mães têm o direito de exigir o acesso universal à sala de aula; que a educação seja um direito de todos; escolas equipadas e habitáveis; profissionais valorizados e bem pagos; uniforme, material escolar e merenda garantidos pelos governos; esportes e atividades culturais; escolas em período integral e abertas à comunidade nos fins de semana etc...
Mas pais e mães não têm o direito de exigir que a sala de aula seja uma extensão do espaço doméstico e por uma razão, entre outras. As escolas são parte da esfera pública e seu papel, além de apresentar o aluno ao saber formal, é ampliar o conhecimento e a compreensão que ele tem do mundo. O convívio no espaço público favorece e estimula a interação e a sociabilidade com indivíduos, grupos e valores que não os familiares, e isso é fundamental para o desenvolvimento intelectual, o amadurecimento ético e um exercício mais pleno da cidadania.
Por isso, quando a ESP reivindica ao mesmo tempo uma escola plural e neutra – uma contradição –, ela mente. São profissionais pouco ou nada familiarizados com a sala de aula, mas que se sentem no direito de determinar o que é ou não legítimo ensinar. O que estamos prestes a assistir não é muito diferente do que se viu em experiências totalitárias, quando alunos eram estimulados a denunciar professores e alguns conteúdos foram banidos das salas de aula.
Para a entidade, a precarização do ensino nunca foi um problema a ser combatido, mas a ampliação dos direitos, liberdades e igualdades civis, sim. Eles temem uma sociedade mais plural e sensível às diferenças e à diversidade étnica, religiosa, de classe ou gênero, e sabem que uma escola e uma educação de qualidade são condições para a construirmos. Por isso a Escola sem Partido quer uma escola precarizada, sucateada e “neutra”. A ideologia por trás desse discurso é perversa, autoritária e violenta. A quem preza e deseja a democracia e a liberdade, resta resistir a ela.