Quem já passou dos quarenta anos e viveu em algum canto do Brasil, experimentou, certamente, exercícios sistemáticos de paciência. Paciência para enviar uma carta e ter de aguardar uns quinze dias a resposta; para esperar aquecer o tubo de imagem da televisão, em seguida ajustar com cuidado as linhas verticais e horizontais e, ainda, para arrumar a esponja de aço que ficava na ponta da antena... paciência para tolerar os chiados do som ‘mono’, sonhando com o ‘stereo’ dos aparelhos 3 em 1; para virar o lado dos discos de vinil a fim de ouvir todas as faixas, limpando, a cada pouco, a agulha da vitrola ou, de forma artesanal, para desenrolar a fita cassete que se enroscava e comprometia, quase que irremediavelmente, aquela música preferida. Isso não bastando, era necessário aguardar a utilização das 12; 24 ou 36 poses do filme da máquina fotográfica, enviar para a revelação e torcer para que as fotos ficassem boas.
Para muitos, esse relato trata de um tempo longínquo, tão distante que parece de outro mundo. Para outros, apenas a oportunidade de ser testemunha ocular da história. É fato, no entanto, que, entre o saudosismo de uns e o espanto de outros, não é difícil perceber que as facilidades e a velocidade da modernidade acabaram por privar os jovens de oportunidades para exercitar a paciência.
A fuga do tempo, na atual lógica do instantâneo, precipita o fim; um fim difícil de decifrar por conta da sua natureza provisória
A vida é uma relação com o tempo e, para ser plena, necessariamente, deve ser repleta de planos, sonhos e esperas. A fuga do tempo, na atual lógica do instantâneo, precipita o fim; um fim difícil de decifrar por conta da sua natureza provisória. É similar ao que se faz ao envolver um abacate em um pano ou jornal: acelera-se o amadurecimento, mas compromete-se o sabor da fruta. É evidente, nas novas gerações, a relação de tortura com os ponteiros do relógio, nos remetendo a pensar que, como adultos responsáveis, nossa tarefa também seja a de ajudar esses jovens a reverem a importância do respeito ao tempo na construção do sentido da vida: a importância de ser paciente.
Paciência que nada tem a ver com passividade, mas com a qualidade do que se aprende e se realiza durante a espera, sem perder de vista o horizonte móvel que direciona o nosso deslocamento. Quando se analisa a vida de pessoas que realizaram grandes feitos, em diversos campos, se tornam evidentes virtudes comuns como paciência, perseverança e persistência – ou seja, nem pressa, nem preguiça. Sobre isso, já nos alertava Paulo Freire: “ninguém chega lá, saindo de lá”, defendendo, nesse sentido, a importância do desenvolvimento da paciência histórica. Não há mágica para as conquistas humanas; se algo precisa ser aprendido, é necessário que alguém se disponha a ensinar e, nesses tempos, mais ainda, a dar o testemunho, visto que não há como ensinar algo que antes não se tenha aprendido.
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Essa dinâmica tacocrácica, cuja raiz tem origem no termo grego tákhos (rápido), que Bauman intitula de “modernidade líquida”, ressalta, entre outras características, o perigo do consumo descartável, como forma de preencher os vazios daqueles que andam somente porque têm pernas. Pessoas assim desenvolvem baixa resistência a frustração e pouca vitalidade para o enfrentamento da realidade.
Se for verdade a crença de que a qualidade da escola tem relação direta com a qualidade das pessoas dela egressas, não há como questionar o fato de que no “patchwork curricular”, o desenvolvimento de habilidades e competências são retalhos soltos a serem entretecidos, por meio de fios virtuosos, entre os quais se destacam a paciência, a perseverança e a persistência, a fim de dar firmeza e consistência à obra artesanal de cada vida inserida no trabalho educativo escolar.