A decadência política é marca de relevo da contemporaneidade. Olhamos para vida pública e apenas enxergamos um vazio assustador. Os grandes nomes do passado, os grandes tribunos, as grandes inteligências singulares simplesmente pertencem à história. O tempo, infelizmente, parece ter tornado a democracia medíocre. Ou será estúpida? A pergunta não é apenas retórica. A estupidez – seja ela corrupta ou hostil – está a invadir a praça democrática com força e empáfia. Aliás, uma estupidez arrogante que não admite ser criticada, reagindo com virulência verborrágica, pois incapaz de autocríticas válidas.
O fato é que gritos, ofensas e trejeitos não resolvem problemas políticos. Aliás, diante da atual irracionalidade oceânica, sempre é tempo de lembrar a sabedoria superior de Rui Barbosa: “O motim não é democracia; a celeuma não é o parlamento; a rua não é o país; o incêndio não é razão; o crime não é o direito; o assassínio não é a justiça; a anarquia não és tu, ó Liberdade”. Enfim, não será rebaixando os modos que elevaremos o Brasil.
Enquanto melhores dias não chegam, os dramas da vida se avolumam. A inflação chega a galope, encarecendo os custos e reduzindo a renda mensal dos brasileiros. Isso sem contar o alto endividamento familiar, a falência da escola pública, a agonia do transporte coletivo e o repique da criminalidade social. Sim, os problemas citados são crônicos e estruturais, não podendo ser debitados apenas na conta do atual governo. Também não se pode ignorar os graves efeitos orçamentários que a pandemia gerou sobre as administrações constituídas que, no caso brasileiro, não se furtaram ao dever de liberar recursos aos demais entes federativos, empresas e cidadãos mais necessitados. Se houve erros lamentáveis – e houve –, não podemos deixar de reconhecer as medidas meritórias.
O incrível é que alguns grupos políticos querem supostamente mudar, voltando a um passado nebuloso. Tratam, sem qualquer constrangimento, a Operação Lava Jato como fato inexistente; esquecem centenas de delações premiadas que expressamente admitiram práticas delitivas, devolvendo quantias bilionárias indevidamente auferidas. Para refinar o conto de fadas, sustentam a prática de excessos acusatórios. Pois bem, que se corrijam os excessos e que se recomponha, quando tecnicamente cabível, o devido processo legal. Agora, não venham querer transformar o quadrado no redondo, nem dizer que Barrabás virou anjo...
Ora, o Brasil exige decência e a democracia requer seriedade. A dilapidação moral das instituições nacionais atinge níveis deploráveis. Não podemos mais fechar os olhos para situações tão alarmantes nem adiar ajustes necessários. Nenhum povo está condenado a ser tolo eternamente. Sim, a democracia, através do diálogo frontal, honesto e sincero, possibilita o entendimento sobre assuntos difíceis, evitando o eclodir de tensionamentos radicais. Todavia, quando o sistema político deixa de desempenhar seu papel institucional de bem mediar questões fundamentais, o poder do voto, como elemento de crença cívica, vai enfraquecendo, abrindo o flanco para o simplismo das soluções unilaterais.
Sem cortinas, a política democrática está perdendo força persuasiva, criando dissenções internas e crescente sentimento de insatisfação coletiva. Aos poucos, as dificuldades da vida vão gerando sensações de raiva e revolta que, de tempos em tempos, acabam canalizadas em lideranças hostis que, sem privilegiar a razão pensante, apenas externam discursos de força, aquecendo, com o manto do radicalismo, o germe das angústias do momento.
Não precisamos repetir erros históricos. Já sabemos que quem não tem autoridade sempre quer alguma forma de autoritarismo. Para tanto, amordaçam a lei, tornando a injustiça em regra. Nas luzes do horizonte, o inaugurar da economia tecnológica abre uma longa e inexplorada fronteira de prosperidade às nações. Todavia, há um evidente descompasso de perspectivas: enquanto o mundo produtivo se move na velocidade de ondas Wi-Fi, as instituições políticas ainda usam lampião. Ou seja, a política está completamente desconectada da realidade, comprometendo o sucesso e as possibilidades da democracia.
No anoitecer da virtude, o egoísmo afunda a República. E, quando o ego se une à estupidez, as alucinações do poder adentram o terreno do imponderável: tudo pode, mesmo que isso seja um nada moral. Diante do silêncio complacente de muitos, alguns poucos – ou loucos? – gritam “salvação”. Mas, como a política não é feita por profetas, o pecado da mentira fantasia, em alto e bom som, a verdade democrática.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.