Decisão ruim, qualquer que seja, sempre deve ser revista, especialmente quando repercute e viola direitos fundamentais relacionados à liberdade. Não importa onde, não importa como: apenas quando. Estabilidade e “segurança jurídica” devem ceder quando se está diante do erro, quando se sabe – ou se deveria saber – que o limite da linguagem e do “texto” da norma foi franca e vergonhosamente ultrapassado em prol de um “programa” eficientista-utilitarista em nome de um arbitrário alargamento do presente (o mesmo que, esquecendo o passado, compromete o futuro).
Não só ao jurista, mas ao cidadão em geral, há de interessar a compreensão de que uma das garantias processuais penais mais importantes e estruturantes passa pela presunção de não culpabilidade, tal como inscrito no imperativo comando do artigo 5.º, LVII, da Constituição: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. É insustentável a posição atual de uma frágil “maioria” do Supremo Tribunal Federal, que, rompendo com quase duas décadas de tradição constitucional, desde o julgamento do Habeas Corpus 126.292, e com continuidade no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43/44, resolveu permitir a execução provisória da decisão penal condenatória, de modo explicitamente contrário ao texto da Lei Maior da República.
Decisão ruim, qualquer que seja, sempre deve ser revista
A garantia de que a culpa só se tem por definitivamente construída quando se trata de uma condenação não mais submetida a qualquer tipo de recurso integra o postulado da presunção da não culpabilidade. Há de se reconhecer a irreversibilidade de pretender-se executar uma sanção ainda não acabada e, portanto, sujeita à revisão, quando não à anulação. Para um ordenamento jurídico-constitucional que, desde 1988, optou pelo rigoroso critério do “trânsito em julgado” e não pela simples ideia de “duplo grau de jurisdição”, não se admitem atalhos. Esses açodamentos, infelizmente tão próprios aos tempos de exceção, sempre cobram um alto preço para a democracia.
Uma corte constitucional existe justamente para exercer filtro e controle de legitimidade de tudo que pode se mostrar contra a Constituição, não para fomentar o desrespeito a valores constitucionais. É justamente porque “não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”, como ensina Lenio Streck, que essa inaceitável “mutação constitucional” precisa ser modificada. Até lá, não haverá paz hermenêutica e estará o STF na condição não mais de “guardião”, mas de carrasco dos limites semânticos da própria Constituição cuja força normativa deveria ser o primeiro a zelar. Um problema que o STF criou, como se poder constituinte fosse, uma “interpretação contra a Constituição”, é o próprio STF que precisará resolver rediscutindo o assunto colegiadamente.
O STF não pode viver de idas e vindas: O STF é uma corte ou o ajuntamento de 11 ministros? (artigo de Bernardo Strobel, professor da PUCPR)
O respeito a uma garantia constitucional não pode estar a mercê de um verdadeiro lance de sorte (ou azar): a concessão ou não da liminar a depender de quem julga. Fazer isso não implica de modo algum em “apequená-lo”, muito pelo contrário. Se essa não é uma “expectativa social”, certamente é uma necessidade jurídica. Corrigir erros é a lição de humildade democrática compulsória para quem tem o poder de dizer e decidir o direito por último e que, justamente por isso, nesse mister, deve evitar errar por último, especialmente quando esse erro é grave e flagrantemente predatório da Constituição (e, via de consequência, da própria ideia do que seja o Direito).